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Viver para cuidar, cuidar sem viver
« em: 06/11/2018, 16:40 »
 
Viver para cuidar, cuidar sem viver

Adiam projetos, deixam de fazer planos, vivem para cuidar dos outros. Com familiares dependentes, de várias idades e com diferentes doenças, as suas escolhas são impostas pela falta de melhor opção. Têm um trabalho invisível à espera de ser reconhecido pelo Estado, como já acontece noutros países. Em Portugal existem, pelo menos, 800 mil cuidadores informais. Por amor, dão tudo. Em troca, exigem direitos.
05/11/2018


João não fala, não anda. Ana Catarina Ferreira, 41 anos, cuidadora 24 sobre 24 horas, deixou a profissão de educadora de infância para abraçar o filho. (Foto: Tony Dias/Global Imagens)

Texto de Cláudia Pinto

Depois da perda da primeira filha, Matilde, às 29 semanas de gestação, Ana Catarina Ferreira e Nuno Nogueira arriscaram nova gravidez, um ano depois. João nasceu em 2007 e superou todas as expectativas da mãe, longe de imaginar o que o futuro lhe reservaria. O primeiro ano de vida foi dividido entre internamentos, convulsões e outras ocorrências. Hoje, com dez anos, continua sem um diagnóstico e com a suspeita de “síndrome de Lennox-Gastaut”, doença rara, do quadro das epilepsias graves.

João não fala, não anda, tem, por vezes, contacto ocular e ultimamente faz umas vocalizações que parecem comunicativas. “O João não é uma desilusão, é um salvador porque nasceu com vida. Se ele não desiste, que direito tenho eu de desistir?”, questiona a mãe. “Há vida para celebrar”, diz. Aos 41 anos, Ana é cuidadora 24 sobre 24 horas. Para trás, uma profissão “que adorava”. Era educadora de infância. “Senti-me atropelada pela vida, sem hipótese de escolha”, comenta a aveirense. Este é agora o seu projeto a tempo inteiro, como tem sido o de Helena Lagartinho, desde há 23 anos.


Foto: Tony Dias/Global Imagens

    “O João não é uma desilusão, é um salvador porque nasceu com vida. Se ele não desiste, que direito tenho eu de desistir?” (Ana Catarina Ferreira)

A ex-contabilista mora em Sintra, tem cinco filhas, das quais três são trigémeas: Carolina, Inês e Rita. A primeira não tem qualquer problema de saúde, mas as duas últimas têm paralisia cerebral ou “diversidade funcional”, como a mãe prefere intitular, para afastar o estigma associado à doença.

“Investi muito nelas, tentei vários tratamentos, cá e no estrangeiro, porque o que o Estado nos faculta são sessões de fisioterapia de 30 minutos, duas vezes por semana, claramente insuficientes, e acabei por desistir”, desabafa. Nos três primeiros anos, Helena teve direito a uma licença sem vencimento, e foi nesse momento que reuniu a família.

Havia decisões a tomar. Voltar ou não a trabalhar e institucionalizar ou não as filhas? “Tinha muito medo dessa opção e, com consenso familiar, decidimos tornar a vida de ambas o mais inclusiva possível”, frisa. Após um percurso escolar normal, faltam três semestres para concluírem as licenciaturas respetivas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Inês está a tirar Literatura em Estudos Portugueses e Rita optou por Artes e Humanidades, com Comunicação e Cultura. A primeira é atleta de paradressage; a segunda já editou um livro e está a escrever outro para publicar no próximo ano.

A logística não é fácil: os dias começam cedo e acabam tarde, com Helena a amparar as tarefas das filhas. A levá-las e trazê-las da universidade, as terapias e os treinos de equitação. A mãe não tem dúvidas – o percurso de sucesso resultou dos cuidados em casa. “Olhar para elas e ver o que conquistaram é um enorme orgulho. Escolhi cuidar e não trocava a minha vida por outra”, enfatiza. Sabe que não tem carreira contributiva e que não vai ter reforma. “Os cuidadores informais são voluntários do Estado que, por sua vez, os ignora”, critica Helena.

    “Olhar para elas e ver o que conquistaram é um enorme orgulho. Escolhi cuidar e não trocava a minha vida por outra”. (Helena Lagartinho)


    Helena teve cancro da mama há dois anos e recusou-se a fazer quimioterapia porque sabia que as filhas, Inês e Rita, “iam perder um semestre da faculdade”. (Foto: Orlando Almeida/Global Imagens)

Ana Catarina Ferreira recebe pouco mais de 120 euros por mês, entre subsídio para assistência de terceira pessoa, subsídio de assistência a filho com deficiência e abono de família. O valor cobre apenas uma semana de fisioterapia. João faz quatro sessões semanais no privado e necessitava de mais, mas financeiramente isso não é viável para os pais. O resto é a somar, como fraldas, medicação e equipamentos.

    “Os cuidadores informais são voluntários do Estado que, por sua vez, os ignora”. (Helena Lagartinho)

Um Estatuto e vários direitos
São inúmeras as necessidades dos cerca de 800 mil cuidadores informais existentes no nosso país e cujo dia é assinalado esta segunda-feira, 5 de novembro. Por isso, exigem a criação do “Estatuto do Cuidador Informal” em Portugal, que reforce apoios sociais para quem cuida dos familiares, tal como existe noutros países, como o Reino Unido, a Alemanha, a Irlanda, a França e a Suécia.

Após uma petição entregue em 2016, para salvaguardar os direitos de pessoas que cuidam dos familiares com diferentes doenças e graus de incapacidade, e após algumas manifestações e vigílias junto ao Parlamento, foi criada, em junho, a Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI), para dar mais força a uma luta prolongada no tempo. “Não vamos desistir. Há pessoas que cuidam há mais de 20 anos, que vão empobrecer e nem direito a reforma terão. Algumas delas nem ao médico vão porque não têm com quem deixar o familiar doente”, garante Sofia Figueiredo, 41 anos, presidente da Direção.

    “Há pessoas que cuidam há mais de 20 anos, que vão empobrecer e nem direito a reforma terão. Algumas delas nem ao médico vão porque não têm com quem deixar o familiar doente”. (Sofia Figueiredo, presidente da ANCI)

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestou publicamente o apoio a essas reivindicações no primeiro encontro de cuidadores informais, realizado em setembro, em Vila Nova de Cerveira, adiantando que acredita na aprovação do estatuto antes das eleições legislativas do próximo ano.

“Em 2018, em pleno Estado Social, fazer de conta que não existem os cuidadores informais e os que por eles são acompanhados, não é só um erro imperdoável, é um atropelo incompreensível a um valor fundamental que se chama respeito pela dignidade humana”, afirmou na ocasião.


Sofia Figueiredo, à direita, é presidente da Direção da Associação Nacional de Cuidadores Informais e promete continuar a lutar (Foto: Lusa)

Para já, o que o Orçamento de Estado (OE) para 2019 trouxe foi uma norma, um compromisso que indica que o Estado “irá reforçar o apoio aos cuidadores informais e o direito ao descanso do cuidador por via da Rede Nacional dos Cuidados Continuados Integrados”, explica o deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro.

O partido apresentou um projeto-lei que está em debate na especialidade na Assembleia da República. “Os cuidadores informais são a coluna vertebral dos cuidados prestados em Portugal e é importante reforçar os apoios sociais aos cuidadores e às pessoas dependentes”, adianta. Faltam ainda as audições às Secretárias de Estado da Saúde e da Segurança Social, “que se prevê que aconteçam em dezembro”, acrescenta.

    “Os cuidadores informais são a coluna vertebral dos cuidados prestados em Portugal e é importante reforçar os apoios sociais aos cuidadores e às pessoas dependentes”. (José Soeiro, deputado do BE)

O Grupo Parlamentar do PS assume essa norma como “o início de um caminho que tem de ser percorrido”, comprometendo-se a “continuar a acompanhar a matéria com atenção e sensibilidade, mas também com responsabilidade”, salienta a deputada Idália Serrão. Helga Correia, deputada do PSD, considera a norma “uma mão cheia de nada”, defendendo “que a partidarização da matéria leva a um caminho de demagogia não apresentando uma solução sustentável”.

O CDS-PP assume que tem acompanhado a problemática há algum tempo, tendo emitido algumas recomendações ao Governo. “Somos os primeiros a pedir cautela, mas lamentamos que o Governo esteja em falta e, relativamente ao OE, não nos deixamos iludir. Não é mais nem menos do que um processo sem verbas alocadas para a operacionalização daquilo que são intenções”, sustenta a deputada Isabel Galriça Neto.

Também o PCP apresentou um projeto de lei com o objetivo de estabelecer medidas de apoio aos cuidadores informais e às pessoas em situação de dependência, mostrando-se preocupado “com a necessidade de se dar prioridade ao processo legislativo, pelo que se espera que, logo que possível, sejam agendadas as audições em falta e se dê início ao trabalho do grupo do Estatuto dos Cuidadores Informais”, diz o deputado João Dias.


Foto: Carlos Costa/Global Imagens

Cristina Rodrigues, da Comissão Política Nacional do PAN, defende “medidas que pretendem contribuir para auxiliar o cuidador na diversidade de esforços, tensões e tarefas e que o podem conduzir à exaustão, com impacto a nível físico, psicológico, social e económico na vida do cuidador e da pessoa cuidada”.

Uma única opção, diferentes realidades
Tinham uma boa vida e planos para a reforma, enquanto trabalharam numa empresa familiar na área de equipamentos de segurança. João Silva, 66 anos, e a mulher, Ana Maria Silva, de 65, foram obrigados a deixar para trás a ideia de vida calma e sossegada que esperavam alcançar quando se reformassem. O diagnóstico de esclerose múltipla chegou sem aviso prévio, em 2008.

Depois, várias mudanças se precipitaram, quase sem tempo para decidir: fechar a empresa, vender a casa e mudar para outra mais espaçosa, em Oeiras [onde ainda foi necessário fazer obras na casa de banho]. Casados há 44 anos, o olhar cúmplice não engana: é por amor que se cuida. “Estamos cansados e cada vez mais isolados”, assume João, sem um único dia de férias desde 2010. Ana, que a doença lhe deixa mexer apenas a mão esquerda, emociona-se ao expressar como é difícil viver assim. “Nem sei que lhe diga. Eu não queria que ele tivesse este trabalho comigo”, observa, com voz trémula.

O trabalho começa cedo, em dias rotineiros, que podem incluir uma chamada de urgência de Ana enquanto o marido está a fazer compras. É ele que trata da medicação, que lhe faz companhia, que cozinha. E com uma reforma penalizada em 60%, por a ter solicitado antecipadamente, para manter a mulher em casa. “A única pessoa neste país que trabalha gratuitamente é o cuidador. Somos números para estatística. Se um dia eu desaparecer, o que será da minha mulher?”, questiona.

    “A única pessoa neste país que trabalha gratuitamente é o cuidador. Somos números para estatística. Se um dia eu desaparecer, o que será da minha mulher?” (João Silva, 66 anos, cuidador)

Raquel Barbosa, psicóloga e professora auxiliar da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, alerta para o facto de o processo ser lento e sinuoso. “As pessoas nem se apercebem do isolamento em que ficam”, diz, sublinhando a importância e a necessidade de afastar ideias de culpabilização.

“É preciso assegurar que o cuidador tenha alguém que o possa substituir em caso de necessidade. Há que criar estratégias que afastem pensamentos de egoísmo ou abandono. Só cuidando de si estarão em melhor condição para cuidar dos outros.”


Tinham planos para a reforma. João Silva, de 66 anos, e a mulher, Ana Maria Silva, de 65, foram obrigados a deixar para trás os sonhos. O diagnóstico de esclerose múltipla chegou sem aviso prévio. (Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Ao contrário de João Silva, Jorge Nunes partilha a função de cuidador informal com a mulher, Anabela Crispim. “Penso muitas vezes nos cuidadores que estão sós e que devem passar o dobro das tormentas que nós passamos. Sozinho, provavelmente, não conseguiria”, confessa.

Na divisão de tarefas imposta pelo Alzheimer da mãe Fernanda, diagnosticado há dez anos, e depois do falecimento do pai [com a mesma doença], há tempo para algum escape. Fundamental, até porque, para além de todas as contrariedades, fizeram questão de se mudar para casa de Fernanda, de forma a lhe proporcionar o maior conforto possível. Jorge não dispensa o apoio ao clube da terra, o Amora, e ajuda como voluntário na ANCI; Anabela dá cor à vida nas aulas de pintura.

“Também há dias em que eu fico e ela vai ao cabeleireiro. É importante mantermos algum tempo para nós”, realça Jorge. Opções que a psicóloga Raquel Barbosa considera “absolutamente cruciais” na prestação de cuidados “e que poderão ser muito úteis para gerir os momentos de maior stresse”, garante.

O outono trouxe uma certa apatia a Fernanda. De olhar distante, perdido, a verbalizar pouco, retribui os beijinhos que o filho e a nora lhe dão. O corpo está preso a uma mente provavelmente confusa. Jorge confessa que há momentos ainda piores. “Nem está num mau dia. Pensei que iriam vê-la a dormir”, refere, sem esconder a satisfação.

Os dias são divididos por turnos. Uma noite, dorme Jorge. Na outra, fica acordado e dorme Anabela. “Estamos numa fase mais severa em que a minha mãe se levanta de madrugada. O mais incrível é que, na última junta médica, saímos de lá com a indicação de que a minha mãe estava capaz de viver sozinha”, sublinha o filho, incrédulo. Como ajuda, e porque Jorge e Anabela já se encontravam fisicamente desgastados, recebem apoio domiciliário ao nível de higiene, todas as manhãs, tal como acontece com João Silva e Ana Maria.


Jorge Nunes e a mulher, Anabela Crispim, fizeram questão de se mudar para casa da mãe dele, Fernanda, de forma a que o Alzheimer, diagnosticado há dez anos, seja enfrentado pela doente com o maior conforto possível. (Foto: Carlos Costa/Global Imagens)

Fátima Sousa, assistente social e voluntária na ANCI, preocupa-se, essencialmente, com a questão da sustentabilidade económica e o agravamento da situação de pobreza de alguns cuidadores. No que se refere às instituições de apoio e suporte para os cuidados – como, por exemplo, centros de dia, centros ocupacionais, internamentos temporários, ajudas técnicas e apoios domiciliários -, considera que as respostas “são escassas e nem sempre vão ao encontro do que as famílias precisam”.

“Para nós, profissionais, também é frustrante não poder responder às necessidades. Muitas vezes, o que nos resta, é ouvir, ser empáticos e estar ao lado dos cuidadores na difícil tarefa de cuidar”, confessa.

    “Para nós, profissionais, também é frustrante não poder responder às necessidades. Muitas vezes, o que nos resta, é ouvir, ser empáticos e estar ao lado dos cuidadores…” (Fátima Sousa, assistente social)

“Depois, logo trato de mim”
Olinda Silva e Rosa Mendes têm 88 anos. São avó e tia de Carla Neves. A primeira tem Alzheimer. A segunda junta a demência à fibrilhação auricular. Moram na Figueira da Foz, na mesma casa que os pais de Carla, Vítor e Alice Neves. A ex-locutora de rádio abre a porta da moradia, dividida em três andares, onde se duplicam os cuidados. “Por dia, subo 960 degraus”, pormenoriza.

A avó está numa situação mais complicada, já acamada, com o Alzheimer a ditar dias de calmaria ou de maior agressividade, verbal e física. “Nos momentos de crise, tento mentalizar-me que se deve à doença e que não é teimosia ou feitio”, desabafa. Foi há oito anos que Carla começou a vida de cuidadora. Com uma voz forte e bem colocada, lembra os tempos em que era locutora de rádio [em Lisboa], profissão que a preenchia e à qual gostaria de regressar um dia. Um dia. Não sabe quando. De regresso à Figueira, ainda abriu uma loja de presentes, mas foi obrigada a fechar por não conseguir conciliar o negócio com a função de cuidadora.

A tia é mais autónoma, mas exige vigilância. Lá por casa, são três a dividir os cuidados. Fazem uma espécie de escala com tarefas por horários. “No primeiro ano da doença, foram muitas as noites que dormi nas escadas com medo que a avó se levantasse e caísse, quando ainda tinha alguma autonomia”, recorda. E como se lida com o cansaço? “Nem vale a pena falar nisso. Vivemos em piloto automático”, responde.

Durante o dia, de meia em meia hora, troca a avó de posição para evitar escaras e outro tipo de desconfortos. À noite, pelas quatro da manhã, levanta-se para lhe trocar a fralda. Tem duas agendas, uma para a tia e outra para a avó, em que anota todas as informações que poderão ser úteis nas consultas médicas. Sempre que vai à urgência com a avó, leva três malas, uma espécie de “kit SOS”, que inclui fraldas, medicação, gelatina, papa de fruta, mudas de roupa, uma mantinha, uma almofada, termómetro.



Alice, Carla e Vítor Neves cuidam de Olinda Silva e de Rosa Mendes, ambas com 88 anos. A primeira tem Alzheimer, a segunda junta a demência à fibrilhação auricular. São avó e tia de Carla. “Por dia, subo 960 degraus”, diz a ex-locutora de rádio. (Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

Em casa, há um móvel com medicamentos, devidamente organizados e assinalados, não vá o cansaço atraiçoar a atenção necessária. “Coloco uma garrafa de litro e meio no quarto todas as manhãs, é essencial que esteja hidratada.” Estas e outras estratégias estão presentes na página que criou no Facebook, em abril de 2017, a que deu o nome “E de nós, quem cuida?”, com o objetivo de dar alento e ideias práticas a outros cuidadores.

Com um namoro longo, a vida conjugal tem sido muito comprometida. Carla não coloca a hipótese de ir viver com o namorado. “Temos um relacionamento feliz, mas não abandono os meus”, assegura. Dão-se ao direito de passar os fins de semana fora e de tirar “cinco dias de férias por ano”. Sofre de dores nas costas há bastante tempo, mas vai adiando a procura de ajuda. “Depois, logo trato de mim.”

A esse respeito, André Nobrega, médico de Medicina Geral e Familiar na USF Íris, pertencente ao ACES Maia-Valongo, sublinha que “os cuidadores anulam, muitas vezes, as suas necessidades para se dedicarem totalmente ao dependente. Muitos não só adiam ou evitam os cuidados com a promoção e manutenção da saúde como desvalorizam a necessidade de recorrer aos serviços e a profissionais de saúde quando estão doentes”.

Bernardo Gomes, médico de saúde pública da Administração Regional de Saúde do Norte faz visitas domiciliárias e tem contacto direto com os cuidadores. “Não é incomum ter pessoas a chorar quando lhes pergunto como estão. Ficam surpreendidas. Esquecem-se disso, não pensam. A sua vida é fundida com as pessoas de quem cuidam. É preciso sinalizar e acompanhar essas pessoas, mitigando efeitos do cuidado crónico”, revela.

    “Não é incomum ter pessoas [cuidadores] a chorar quando lhes pergunto como estão. Ficam surpreendidas.” (Bernardo Gomes, médico)

“Essencialmente, no amor”
Apologista de que são urgentes alternativas viáveis, André Nóbrega deseja que “os serviços devem permitir que a decisão de se tornar cuidador informal seja tão voluntária quanto possível”. E acrescenta: “Não haverá muitas profissões que envolvam o trabalhador em tantas dimensões e de forma tão densa, ao longo das 24 horas do dia, como acontece aos cuidadores informais e, no entanto, ainda pensamos neles essencialmente como desempregados voluntariosos”.

Ana Catarina Ferreira, Carla Neves e Helena Lagartinho não têm carreira contributiva. Se nada mudar, não terão direito a reforma. Não baixam os braços e esperam que o Estatuto do Cuidador Informal seja uma realidade para breve e venha ajudar os cuidadores que hão de vir. “A ser aprovado, não será em meu benefício, mas em prol de uma melhor qualidade de vida para o meu filho. Gostava que o Estado olhasse para mim como uma pessoa e não apenas como a mãe do João. Esta é uma vida que nos é imposta, não a escolhemos. Abdicamos de muita coisa, temos de fazer uma grande gestão do orçamento familiar e aprender a viver com menos. Ainda assim, cuidamos dos nossos e fazemo-lo com amor”, diz Ana.

Carla tem saudades de sair com os amigos para “rir às gargalhadas” e de ter “a cabeça livre” quando acorda. O que a move? “Saber que estou a fazer algo que gostava que me fizessem. Quando envelhecer, gostaria de ficar em minha casa e ser cuidada pelos meus”, explica. João não esconde a revolta da falta de apoios: “Por ano, poupamos quatro mil milhões de euros por ano ao Estado e não temos direitos. Gostava que os políticos fossem conscientes e atenuassem a dor dos cuidadores informais”, desabafa. Aprendeu a viver dia a dia, sem vislumbrar o futuro. Jamais institucionalizaria a mulher. “Mal ou bem, lá vou fazendo o que sei. Se passamos a vida inteira com alguém, é porque temos sentimentos, e não há outra forma de fazer as coisas.”

    “Por ano, poupamos quatro mil milhões de euros por ano ao Estado e não temos direitos. Gostava que os políticos fossem conscientes e atenuassem a dor dos cuidadores informais”. (João Silva, cuidador)

Helena teve cancro de mama há dois anos e recusou-se a fazer quimioterapia porque sabia que as filhas “iam perder um semestre da faculdade”. Ficou-se pela cirurgia e por sessões de radioterapia às 21 horas, “depois de as deixar prontas para dormir”. “Estou entregue a Deus”, afirma.

O próximo objetivo é ver as gémeas a trabalhar, na certeza de que “jamais chegariam à universidade se tivessem crescido numa instituição”. Jorge reforça a importância dos cuidadores terem os próprios escapes para não caírem em depressão. E sabe como ninguém onde se alimentar, de forma a continuar essa (in)grata missão: “Essencialmente, no amor”.[/size]


Fonte: https://www.noticiasmagazine.pt/2018/viver-cuidar-cuidar-sem-viver/?fbclid=IwAR2DiGDzO_3bd9C7srsHz5HyA3ljGOTvBvJltNyaAC-JbMaIR3DjVKraThI
 
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