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Autor Tópico: O amor e sexo para portadores da Síndrome de Down.  (Lida 5354 vezes)

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O amor e sexo para portadores da Síndrome de Down.


Cercado por lápis de cor e hidrocores, Carlos, 21 anos, escreve sem parar. Os dedos gordinhos movem uma caneta Bic, que delicadamente vai deixando sua tinta azul no papel. Num esforço minucioso de evitar rasuras ou palavras borradas, os olhinhos puxados de Carlos acompanham, atentos, cada contorno traçado. "É uma carta para minha namorada". Quando a carta fica pronta, logo se vê que não é uma mensagem de amor convencional. Primeiro, porque o papel não tem desenhos de flores, corações, nem é perfumado. É um simples papel de sugestões, desses que são distribuídos nas saídas dos mercados. E as palavras da carta não seguem as regras da gramática convencional; são infinitas espirais cuidadosamente escritas. A caligrafia de Marcelo é incompreensível aos alfabetizados que não sabem ler as entrelinhas. "Aqui está escrito: Carolina, eu te amo".
A destinatária Carolina, 20 anos, entende cada palavra do alfabeto de espirais de Carlos. Tanto que retribui o mimo com um abraço e um beijo de língua, escondido e roubado. A falta de cerimônia e o beijo de assalto colocam um sorriso muito sem jeito na boca de Carlos. "Beijei igual os artistas de Celebridade", diz ela, com a língua enrolada. Nada disso, foi muito mais original. Ou alguém já assistiu, em qualquer novela da Globo, a um belo beijo de um casal com síndrome de Down?
Com certeza, ninguém viu. Poucos são os que, algum dia, já imaginaram um romance - quanto mais uma cena de sexo - entre um casal com síndrome de Down. Filmes como O oitavo dia, que sugere uma relação sexual entre um casal com a síndrome, são uma raridade. Com seus inconfundíveis olhinhos puxados, pescoços roliços e modos afáveis, os portadores da síndrome parecem estar condenados à eterna fama de coitados, fofinhos, bonzinhos - doces anjinhos. E como os anjos não têm sexo, muitos acabam obrigados a viver justamente o lado infernal do paraíso: uma vida bem comportada e casta. O mesmo acontece com as demais pessoas tidas como deficientes mentais.
Valmar dos Santos, 22 anos, e Carla Dias, 21 anos, têm o olhar distraído e o pensamento distante, o que é típico nos apaixonados. Os dois se conheceram na Apae, e, há cerca de cinco meses, começaram o romance. Mas, por enquanto, só têm permissão para namorar nos estreitos limites do portão e da laje da casa de Carla. E mesmo assim, o casal está sempre acompanhado de uma espécie de "platéia de bolso": os primos de Carla - com idades de 11, 6 e 3 anos - são os responsáveis pelo patrulhamento do namoro. "Eles ficam seguindo a gente. E se virem a gente se beijando, reclamam. São tipo uns seguranças", define Valmar.
Namoro no portão.
Silvio, 26 anos, namora há dois anos com uma colega da Sociedade Pestalozzi. Ele aprendeu que namoro, só do portão do colégio para fora. E mesmo assim, nada que vá além dos beijinhos e abraços. "A pró ensinou que não podia fazer 'aquilo'. Antes de fazer 'aquilo', tem que ter trabalho, dinheiro...", diz ele, com a fala arrastada. Enquanto não tem trabalho nem dinheiro, Silvio realiza programas mais familiares junto com a namorada. "No domingo, vou para a casa dela e a gente assiste ao Didi junto dos pais dela".
Pelo diagnóstico médico, tanto Silvio como Valmar e Carla possuem deficiência mental, mas não têm síndrome de Down. Eles não trazem, estampados no rosto, todos os traços do estigma. "Na síndrome de Down, a condição genética interfere nas feições", diz a geneticista Lília Moreira. Por conta da aparência, a rejeição amorosa tende a ser maior nos portadores da síndrome. "Eles acabam namorando mais com outras pessoas de SD, e muito raramente se desvinculam de suas famílias", diz Moreira. Já os deficientes mentais sem síndrome estão um pouco mais livres da máscara da segregação, e criam mecanismos próprios para se proteger de uma sociedade que deforma as diferenças. "Eu não digo que sou deficiente. Nunca mostrei minha carteira de passe livre ao meu ex-marido", conta Gildete Conceição, separada e mãe de um filho. Daniele Conceição, 22 anos, casada, também já teve vergonha de si mesma, mas hoje, ela arrebata com uma lógica óbvia e genial: "Descobri que ninguém é perfeito".
Silvana, 42 anos, aluna da Sociedade Pestalozzi, vibra quando encontra uma criança no seu caminho. Logo abraça, beija e faz a maior festa. "Fico doida quando vejo um menino". Mesmo tão apaixonada por crianças, ela não pretende ter filhos. Prefere se contentar com algumas migalhas de maternidade, curtindo os meninos pequenos dos seus parentes e amigos. Por alguns instantes, diverte-se com os bebês dos outros, com o mesmo sentimento de uma criança que toma emprestado o brinquedo caro do vizinho. Silvana já se conformou, ter filhos é um sonho impossível; ela não nasceu para isso. "Imagine, eu ter um filho, com esse problema na cabeça. Como ia nascer essa criança?".
O namorado de Silvana é um jovem de 21 anos, seu colega de escola. Atualmente, eles aboliram o ato de fazer os meninos. "Eu parei de fazer "aquele negócio". Minha irmã diz que é pecado fazer sem casar". Então sexo nunca mais, porque Silvana também teve que tirar o casamento do seu rol de sonhos. "Não posso casar, porque senão deixo de ganhar a pensão de minha mãe".
Diversão proibida.
Para muitos deficientes, o casamento é somente um sonho distante, e o sexo, uma diversão proibida. Várias famílias impedem os relacionamentos. As justificativas costumam ser as mesmas: os pais têm receio de que seus filhos não estejam preparados para um envolvimento afetivo, e temem demais a gravidez; se vêem cuidando dos netos, e sentem muito medo de um novo caso de deficiência na família.
Quando o homem e a mulher possuem deficiência mental leve, a chance de uma criança nascer com o mesmo quadro é de 42%. Se a mulher for portadora de síndrome de Down, existe 50% de chance de o filho também apresentar a síndrome. Ao contrário de muitos deficientes mentais, os portadores de síndrome de Down apresentam uma diminuição de fertilidade. As mulheres têm sua fertilidade diminuída em 50%, e os homens, na maioria das vezes, são estéreis.
Mesmo assim, muitos pais preferem não arriscar. "Uma mãe queria comprar uma boneca inflável para o filho. Ela achava que a aquisição resolveria todos os seus problemas", conta a psicóloga Zilda Maria Soares, que na época, cuidava do rapaz de 27 anos, portador de síndrome de Down. Zilda convenceu a mãe a desistir da compra. Mas a boneca foi substituída por um equipamento mais macabro. A mãe comprou um ursinho de pelúcia e, com uma tesoura, fez um buraco. Nem precisa dizer que o ursinho não servia apenas para o menino dormir abraçado.
A cena é chocante. Fica difícil dizer onde está a doença: se na cabeça do deficiente, ou nos pensamentos turvos de quem é tido como normal. Não se trata de culpar os pais, parentes e amigos. Afinal, o problema é muito maior: o país inteiro ainda não tem mentalidade para conviver com a deficiência mental. É bem verdade algumas associações especiais, como a Apae e a Sociedade Pestalozzi, já procuram oferecer oficinas de educação sexual. Também não há como negar que, por conta das dificuldades de aprendizado, os deficientes podem até se atrapalhar na utilização da camisinha, por exemplo. Mas na maior parte das vezes, todas as incapacidades são apenas projeção; existem somente na imaginação das mentes sãs.
Para vários estudiosos, a sexualidade dos portadores de deficiência mental não é diferente das outras pessoas. Mas a proteção excessiva dos pais tende a atrasar, interferir ou mesmo impedir a vivência sexual. "Os jovens até podem vir a namorar, mas não deixam de morar com suas famílias", explica a geneticista e professora da Ufba Lília Moreira. Em trabalho intitulado Aspectos genéticos e sociais da sexualidade em pessoas com síndrome de Down, Lília cita um estudo segundo o qual 50% dos pais de jovens com síndrome de Down acreditam que seus filhos deveriam ser esterilizados, ou, pelo menos, passar por algum controle de natalidade. Em outro estudo citado, os pais de portadores de deficiência mental enxergam seus filhos como "sexualmente infantis", com atitudes assexuadas ou essencialmente fundadas na afetividade. Já alguns educadores visualizaram o deficiente mental como "exibicionista" ou sem afetividade.
Há muito de preconceito e desinformação em tudo isso. Como o deficiente mental não absorve, com a mesma facilidade, as convenções sociais - e pode vir a se masturbar em público, por exemplo - as pessoas tendem a achar que a deficiência está relacionada a exibicionismo e a uma exacerbação da sexualidade. Em sentido inverso, há também uma crença de que os deficientes mentais são assexuados ou impotentes. Essa falsa impressão ocorre porque a sexualidade desses jovens demora um pouco mais de aflorar - a depender do comprometimento mental, eles começam a despertar para o sexo a partir dos 23 ou 24 anos. Além disso, num casal de deficientes, a relação sexual tende a acontecer mais tarde que num casal convencional. "Às vezes, pode demorar de quatro a cinco anos", explica o psiquiatra José Belisário, autor do livro Inclusão - uma revolução na saúde.
Toda assanhada, Carolina ressalta o ponto máximo da sua libidinagem: "A gente beija muuuuuiiitttoooo", diz. Sua paquera com Carlos começou com umas caronas inocentes, já que os dois moravam próximos, e eram colegas na Apae. Depois, o destino quis que eles estudassem em turnos opostos. Mas mesmo assim, a paixão continuou, alimentada pela troca de cartas com caligrafia em espiral, e intermediadas pela professora. Hoje, Carolina e Carlos voltaram a estudar no mesmo horário, e vivem cheios de planos. "Eu vou ganhar uma aliança que ele vai comprar".
Por enquanto, o casamento ainda não tem data marcada. Ah, mas se esse dia chegar! Logo que ela aparecer na porta da igreja, os olhinhos puxados vão se cruzar. Ele, no altar, de fraque. E ela, andando em sua direção, com um vestido todo branco. Um longo beijo, a troca de alianças e a chuva e arroz vão selar a união do casal. Será uma celebração sem precedentes, uma festa incomparavelmente mais bonita que qualquer casamento global.

Fonte: Vida e Saúde - Terra.
 

 



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