França debate legalização de assistente sexual para pessoas com deficiênciaGoverno de Emmanuel Macron reabre o debate sobre a legalização da profissão de assistente sexual para pessoas com deficiência. Ativistas consultados pelo Correio defendem medida, mas admitem que o tema ainda é visto como tabu no país
RC Rodrigo Craveiro
postado em 16/02/2020 08:00
Cindy Keita, 37 anos, paraplégica desde o nascimento, posou para o trabalho Cadeira de Rodas, da série Ajutila, do fotógrafo Hormoz
(foto: Hormoz/Série Ajutila/www.hormoz.fr/Divulgação )
O título do poema a seguir é Confidência: “Seus lábios sensuais / Vêm rapidamente /Ousar / Um beijo voluptuoso / Em meus versos pouco virtuosos”. O dono dos versos, o francês Marcel Nuss, 65 anos, convive por toda a vida com a amiotrofia espinhal. A doença degenerativa o levou à completa paralisia desde os 10 meses. Em setembro de 2013, o ensaísta e autor de Je veux faire l’amour (“Quero fazer amor”, pela tradução livre) fundou a Associação para a Promoção de Acompanhamento Sexual (Appas). Dois anos depois, a entidade começou a treinar assistentes sexuais e a colocá-las em contato com deficientes físicos. Perante a lei, o trabalho promovido por Nuss é ilegal. Para melhorar a vida de 12 milhões de franceses com deficiência, o governo do presidente Emmanuel Macron levantou o debate sobre a legalização da assistência sexual para essa parcela da população.
“Se o aconselhamento sexual for legalizado, seria uma coisa boa. Ainda não há um projeto de lei sobre o tema na Assembleia Nacional. Nenhum deputado, até o momento, quer divulgar tal projeto. Em 2015, o nosso advogado da Appas escreveu um rascunho, que foi apresentado ao parlamento, porém, sem resultado”, lamentou Marcel ao Correio. Ele admite que a assistência sexual equivale a uma prostituição “muito específica”. “Não importa. Profissionais do sexo assumem isso, sem vergonha. Apenas os opositores à prostituição se sentem incomodados”, acrescentou. Marcel é casado com Jilly, que trabalhou como assistente sexual entre 2012 e 2013. “Hoje, ela treina assistentes sexuais. O próximo curso ocorrerá em abril, perto de Montpellier (sul da França), onde moramos”, disse.
Aos 37 anos, moradora de Paris e paraplégica desde o nascimento, Cindy Keita defende que as pessoas com deficiência não esperem os políticos decidirem sobre a questão. “A França não tem mente aberta o suficiente para compreender essa causa no momento”, admitiu à reportagem, por e-mail. “Sou muito dividida sobre o tema. Entendo que pessoas com deficiências têm suas necessidades sexuais. A maioria dos pedidos para a legalização vem de homens; isso coloca as mulheres no escuro, mesmo se concordarem em ser profissionais do sexo”, advertiu. Apesar de ressaltar que não precisa de assistência sexual, Cindy reconhece os obstáculos para relações íntimas. “Além de nem sempre serem adequados para isso, os leitos médicos são caros. Eu me adapto e isso não reduz minha libido”, assegura.
Para sensibilizar a sociedade francesa, Cindy aceitou posar para o diretor de fotografia francês Hormoz, 49. “Construímos a exposição Ajutila, em torno da representação da vida emocional e sexual de Cindy. Desde então, encontrei-me com outras pessoas com deficiência para o projeto ‘Minhas cadeiras, minhas leis’. Busco desenvolver com elas histórias emocionais, sexuais e parentais por meio da fotografia”, explicou Hormoz ao Correio. Segundo ele, não é a primeira vez que um governo da França coloca o tema do acompanhamento sexual nos holofotes. “Não existe projeto de lei planejado até o momento, e a assistência sexual esbarra em resistências da classe política e da opinião pública. Da minha parte, obviamente, sou muito favorável. Todos têm o direito à sexualidade do modo que desejarem. Ao Estado não cabe legislar sobre sexualidade entre dois adultos que consentem”, opinou. O trabalho de Hormoz pode ser acessado em www.hormoz.fr.
Arnaud De Broca, presidente do Collectif Handicaps, união de 48 associações de pessoas com deficiências e suas famílias, contou que o tema ressurgiu durante a Conferência Nacional sobre Deficiências, na última terça-feira, no Palácio do Eliseu. Na ocasião, Sophie Cluzel, ministra júnior para temas de deficiência, anunciou que entrou em contato com o Comitê de Ética Nacional sobre a questão dos assistentes sexuais. “Poucos anos atrás, o mesmo comitê se recusou a fornecer tal assistência. Até a presente data, não existe lei apresentada ao Parlamento, mas apenas um trabalho preparatório sobre temas éticos que isso possa representar. A adoção da lei não deve ocorrer a curto prazo: o comitê precisa emitir sua opinião; consultas devem ser organizadas; e a lei ser escrita, debatida, votada e aplicada”, disse.
Para De Broca, as pessoas com deficiência nem sempre conhecem o próprio corpo e o prazer. “É uma questão de permitir-lhes que tenham contato com outras pessoas, além dos médicos e familiares. Muitas deficientes, impossibilitadas de se mover, não experimentam essa sensação de prazer. É responder ao que alguns chamam de reconhecimento de um direito sexual. A abstinência forçada devido à deficiência obviamente tem consequências no cotidiano dessas pessoas”, ressaltou. Ele entende que o reconhecimento da profissão de assistente sexual exigirá uma estrutura jurídica, a fim de evitar ser assimilada à prostituição. “O debate também levantará a questão de comparação com pessoas sem deficiência, que poderiam reivindicar os mesmos direitos”, disse.Fonte:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2020/02/16/interna_mundo,828389/franca-debate-legalizacao-de-assistente-sexual-para-pessoas-com-defici.shtml