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Autor Tópico: Algo de errado se passa.  (Lida 593 vezes)

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Online migel

Algo de errado se passa.
« em: 23/09/2024, 10:42 »
 
Algo de errado se passa.

"Produtos de Apoio" são todos os dispositivos que o Estado tem a obrigação de fornecer gratuitamente a quem tiver um grau de incapacidade atribuído igual ou superior a 60%. São milhares de produtos - de cadeiras de rodas, passando por camas articuladas, próteses, ortóteses, ou até mesmo veículos motorizados, entre outros - que podem ser requeridos por estas pessoas mas cuja verba, todos os anos, não tem vindo a ser executada na totalidade.
E é - não só mas também - por não ter vindo a ser executada na totalidade (que é como quem diz, as pessoas não sabem que podem obter gratuitamente este produtos e, por isso, só meia dúzia o fazem), cuja dotação orçamental tem vindo a descer.
Em 2022, o montante atribuído ao Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (vulgo SAPA) foi de 40,2 Milhões de euros. a taxa de execução da verba de foi 93,7%. Sobraram 2,5 milhões.
No ano passado, a verba baixou mais de um terço - 36,4% - para 25,6 milhões de euros. A taxa de execução aumentou um 1%, para 94,7. Sobraram 1,4 milhões.
Em 2021, os dados foram assombrosos: a taxa de execução das verbas destinadas ao SAPA foi de... 69,4%. Sobraram nada mais nada menos que... 8,6 milhões de euros.
Curiosamente, a cereja no topo do bolo destes números é esta: entre 2021 e 2023, o número de pessoas "apoiadas" aumentou de 13.226 (uma fartura!) para 22.818 (outra fartura, na medida em que existirão cerca de 1 milhão e cem mil pessoas com deficiência em Portugal).
Algo de errado se passa. Diria mesmo, algo de muito estranho se passa. Por um lado, a malta, como é rica, não faz uso do pouco Estado Social que lhe resta. Prefere crowdfundings fofinhos e choradeira nos programas da tarde; por outro, o número de pedidos cresce, o que faz adivinhar, a mim que não sou cá de intrigas, que há uns, ainda assim, a levarem tudo e outros rigorosamente nada.
Há uns tempos, numa altura em que ainda não tinha percebido que o mundo das instituições de e para pessoas com deficiência é, regra geral, um lamaçal onde só se safam os que chafurdam melhor na merda, ia amiúde a casa de alguém que já o sabia de cor. Um dia, quando cheguei, pedi para ir à casa de banho. "Posso?". "Espera, não!". Foi-me dito que fosse ao café de baixo porque estava ocupada. Numa daquelas alturas em que sentimos que não queremos olhar mas acabamos por o fazer porque somos humanos, vi que a criatura tinha enfiado cinco (cinco!) cadeiras eléctricas que tinha ido buscar a um sítio que, na altura, pomposamente era chamado "centro prescritor".
- Carolina, eu... desculpa... sabes o que é isto?
- Sei. São sobras e eu aproveito, claro!
(perdi a vontade de ir ao WC, desci, bebi um café, chorei um bocadinho que os homens também choram e nunca mais lhe pus a vista em cima)






Texto de João Coelho Facebook
 

Online migel

Re: Algo de errado se passa.
« Responder #1 em: 24/09/2024, 10:40 »
 
No seguimento da minha publicação de ontem acerca do verdadeiro escândalo em torno da atribuição de produtos de apoio, há, ainda, que ressalvar um aspecto muito importante:
Se o sistema de atribuição de produtos de apoio (SAPA) já caminha para o fim, há um outro factor que acelerará o seu processo de implosão. Curiosamente, é um processo recomendado pelo Instituto Nacional de Reabilitação, a entidade que serve, digamos assim, esta perfeita tempestade. Dá pelo nome de "Banco de Produtos de Apoio".
Salvo melhor explicação, estes bancos são assim como uma espécie de depósitos de tralha que, outrora, foi personalizada mas que, como que por milagre, vai servir quem mais precisa. Em boa verdade - e sejamos honestos - poucos ou nenhuns produtos de apoio, por serem feitos à medida das necessidades de cada destinatário, poderão servir seja a quem for.
Dou um exemplo práctico: se medir 1,80m e pesar 90kg, a minha cadeira de rodas de uso diário - não de hospital mas de uso diário, repito -, por muito boa que esteja não poderá servir a uma outra pessoa com, por exemplo, 1,50m e 60kg. Do aparecimento de úlceras de pressão até à desintegração do material é uma mera questão de tempo. E nestas coisas, por já ter visto quase tudo, sei que o céu é o limite. De camas articuladas com acentuado declive nocturno até aparelhos auditivos que milagrosamente se adaptam à fisionomia do ouvido do senhor que se segue, é cerrar os dentes e orar aos céus. Ou ao António Sala.
Note-se com cuidado, para que a verdade não nos falhe: aconselhar a criação de bancos de produtos de apoio é - digo-o com todas as letras - acelerar o fim do SAPA, já para não falar do verdadeiro atentado à Saúde Pública - do verdadeiro absurdo - que pode constituir a doação de uma prótese a alguém que perdeu uma perna mas que tem de ter as medidas exactas.
Será como uma espécie de implementação do princípio de adaptação das pessoas ao material e não do material às pessoas. Se dá jeito? dá um jeitão, pois claro, sobretudo porque se poupa o dinheiro (o tal dinheiro que sobra...) e se faz a caridade que os católicoscom viagem marcada para o céu precisam.
Se este ridículo deve ser denunciado, mesmo que não dê jeito? Deve. TEM de ser denunciado.





Autor: João Coelho facebook
 

 



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