A minha cadeira de rodasEstamos sempre juntos. Ela acompanha-me para todo o lado. Sem ela seria muito mais difícil viver. Arriscaria afirmar que não viveria. Diria que não me revejo sem ela. É as minhas pernas e uma extensão de mim. Com ele liberto-me, sou muito mais feliz, sinto-me mais forte e menos frágil.
Somos inseparáveis. Estou deitado, mas ela está ali, ao alcance da minha vista a dizer presente, sempre por perto. Tenho-a como adquirida, sempre pronta para mim e disponível. E se falhar? Esse é um dos meus maiores medos. Já aconteceu furar o pneu, e claro o meu dia parar por ali. Tudo para. Fico totalmente dependente e desprotegido. Para o mudar é uma grande logística. Tirar-me da cadeira o que não é possível longe de casa, mudar o pneu e voltar a colocar-me na cadeira. Mas onde se muda um pneu fora de casa? Numa oficina? Que oficina? A oficina tem camaras de ar e pneus para a minha cadeira de rodas elétrica? Claro que não. E uma oficina de bicicletas? Claro que também não tem. Ando com uma camara de ar na mochila? Convém, mas para que me serve se não sei onde a mudar ou reparar? Já passei por algumas situações dessas, a última no centro de Lisboa e não tive alternativa senão entrar no carro e vir para casa.
E se a cadeira de rodas falha numa qualquer rua longe de casa? E se for num restaurante ou outro espaço idêntico? Chamar os bombeiros não é alternativa porque respondem que não são taxistas, os taxistas nada podem fazer porque a minha cadeira é pesadíssima e mesmo em modo manual precisa de muita força braçal para subir uma simples rampa, e nem todos os táxis adaptados a conseguem transportar. Também são ainda muito poucos os táxis adaptados disponíveis. Um pesadelo. Tento não pensar no assunto, mas é difícil não o fazer de vez em quando. E se…
Não é só o falhar. Sem ela a vida para. O emprego, o dia-a-dia, a vida passa a ser muito mais limitada. São as minhas pernas que deixam de funcionar. Não consigo fazer nada sem ela. Fica tudo em suspenso. É assustador e uma sensação de desconforto e impotência enorme. Perco o controlo da minha vida. Deveria ter outra com estas caraterísticas para a substituir em caso de falha, deveria, mas não tenho. Tenho, mas é muito básica. Não reúne condições para o meu dia-a-dia. O Estado e as seguradoras só atribuem nova cadeira caso se prove que a anterior já não funciona. Falhar significa passar a viver na cama com tudo o que isso implica.
E concertá-la? Arranjá-la significa solicitar apoio ao Estado ou seguradora e aguardar dias e dias por uma resposta. Pagar o conserto resolve? Agiliza o processo, mas há que a fazer chegar a uma empresa da especialidade, o que significa contratar uma transportadora e aguardar orçamento e na maioria dos casos semanas para a ter de volta. Até lá, a vida mantêm-se em suspenso. As seguradoras ainda não se lembraram deste tipo de negócio porquê? Ou já existe este serviço no mercado e eu desconheço? Parece-me que não.
O mesmo se passa com o carro adaptado. Avariar significa deixar de circular. Pois as oficinas não possuem veículos adaptados para substituição. Se a minha carrinha avariar fora de casa a minha seguradora não possui nenhum veículo adaptado para me trazer de volta a casa, mas o valor do seguro é pago por mim como se o tivesse. Assistência em viagem termina por aí. Rebocar o veículo. Alugar no mercado um carro com as carateristicas do meu também não é possível porque não existe. Solução é ficar por casa até o meu se encontrar apto.
Ou seja, ficar sem cadeira de rodas, ou sem veículo adaptado, significa parar de viver. Tudo se torna muito mais difícil sem essas ferramentas fundamentais na minha vida. É frustrante saber que assim é. Há que pensar que nunca avariam para que tudo seja mais fácil. Mas eles também deixam de funcionar, porque já me aconteceu. Pior é que eu sei disso.
crónica no jornal Abarca de Eduardo Jorge