A Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) chegou a Vila Real há aproximadamente 16 anos e, apesar de ainda não ter atingido a “maturidade”, tem contribuído para grandes mudanças na vida dos seus utentes, com impacto na comunidade onde se inserem, num apoio que tem por base as suas necessidades.
Quando chegou à capital de distrito, a delegação de Vila Real convidou Serafim Letra para presidente, uma vez que, tendo em conta a sua experiência e a sua adaptação, era “a melhor opção” para dar um contributo aos utentes da ACAPO.
De facto, Serafim sempre teve dificuldades de visão. Quando era mais novo, conseguia diferenciar algumas cores, mas isso não lhe permitia ter uma aprendizagem como os colegas de escola. “Repeti a primeira classe várias vezes. Não conseguia acompanhar, mas adquiri outros conhecimentos através daquilo que ouvia”, relembra, sublinhando que, quando era jovem, não havia apoios como atualmente, ficando a adaptação a seu cargo.
Alguns tempos depois, aos 12 anos, recebeu a proposta de frequentar um colégio no Porto e aceitou. Lá, aprendeu braile, numa classe de amblíopes. “Foi a minha sorte”, realça, acrescentando que, na terceira classe, aprendeu estenografia braile para, uma vez no liceu, “não precisar de mais nada”.
Após alcançar o sétimo ano, aos 21 anos, regressou a Vila Real e ficou alguns anos em Sanguinhedo a trabalhar com os pais. Todavia, quando completou 28 anos, abriu um concurso para telefonista. Um posto que foi a porta de entrada para uma carreira de 38 anos na administração pública, nomeadamente na EMAR e na AdIN, empresas de abastecimento de água com sede em Vila Real.
Enquanto presidente da ACAPO, Serafim Letra tem procurado dar apoio naquilo que pode e sabe. Segundo Carina Ferreira, Psicóloga e Diretora Técnica da ACAPO, a sua experiência, quer na administração pública, quer enquanto deficiente visual, tem tido “um papel fulcral” na associação e no apoio aos seus utentes.
De facto, Serafim já orientou vários estagiários, partilhando os seus conhecimentos e as suas competências. Um empurrão que é “sempre bem-vindo” e que encaminhou jovens para uma carreira profissional estável.
Já ao nível da ACAPO, o facto de ter trabalhado vários anos em empresas municipais fez com que tenha “uma grande compreensão de como funciona o trabalho da equipa técnica”.
O início de um novo capítulo
No caso de Olinda Marques, utente de 38 anos, a deficiência visual esteve sempre presente na sua vida, mas chegou progressivamente até que, uma vez adulta, sofreu uma perda abrupta da sua capacidade de visão central, restando-lhe apenas a periférica. “Só demos conta deste problema na minha fase adulta. Quando perdi bastante visão, senti-me sem norte, sem saber o que fazer. Para mim, como já não conseguia ver, não tinha capacidade para fazer mais nada. Estava no fim da linha”, confessou.
Contudo, uma vez que se chega ao “fundo do poço”, o único caminho a seguir é em direção ao topo. Foi isso que aconteceu quando Olinda encontrou a ACAPO. “Bendita a hora!”, exclamou. “Tive a bênção de conhecer a ACAPO e, depois, tudo encarrilhou. Foi como voltar a aprender a andar”, disse.
De facto, com o apoio da associação, Olinda aprendeu a movimentar-se e a orientar-se com bengala, começou a dar valor aos outros sentidos e venceu a sua fobia de computadores.
Após uma corajosa caminhada, deu mais um passo, ingressou num curso de técnica superior profissional na área do bem-estar e das massagens, um gosto que tinha desde pequena e ao qual, contrariamente ao espectável, deu continuidade.
“Na primeira semana, não foi fácil, ainda estou na sexta semana. Estou bem encaminhada e qualquer dúvida ou dificuldade que eu tenha, sei que posso recorrer à ACAPO. Eles ajudam-me em tudo”, enalteceu, acrescentando que, hoje, vive um dia de cada vez e que não encara a visão como “uma impossibilidade”.
As novas tecnologias ajudam, quando são adaptadas
A deficiência visual de Catarina Peixoto faz parte da sua vida desde os nove anos, altura em que foi diagnosticada com uma doença degenerativa da retina que impactou a sua visão central.
Formada em Direito pela Universidade de Coimbra, hoje, Catarina trabalha como jurista e defende ter tido um percurso académico natural, no qual os produtos de apoio contribuíram para uma aprendizagem facilitada. “A faculdade também me disponibilizou os livros em formato digital por forma a que eu pudesse ouvir através de um sistema de voz e um leitor de ecrã. As tecnologias foram uma grande ajuda”, reforçou.
No dia a dia, a jurista vila-realense recorre a um tablet para poder aumentar o texto e alterar o seu contraste cromático. “Já nem utilizo muito a lupa porque já é quase tudo informatizado. Através da ACAPO acabei por ter um maior conhecimento do tipo de produtos que existem, daqueles que melhor se adequam ao meu problema e tive toda a ajuda no próprio procedimento para a obtenção dos produtos através da Segurança Social. Às vezes é uma coisa tão simples como um scanner”, explicou.
Contudo, ainda que as tecnologias sejam uma ferramenta fundamental, nem todos os aparelhos e sistemas são adaptados aos deficientes visuais.
“O Estado não dá ferramentas para interpretar as mensagens, nomeadamente ao nível dos impostos. O próprio sistema não está preparado para lidar com a deficiência visual e falha na comunicação”, destacou Carina Ferreira, dando o exemplo das cartas que usam uma linguagem complicada e não são em formato digital.
Já Serafim e Catarina dão o exemplo dos aeroportos, que não possuem linhas orientadoras, nem pessoas formadas para guiar os deficientes visuais, e da Segurança Social, que disponibiliza senhas prioritárias, mas que não tem chamada através de áudio.
Em Vila Real, são vários os exemplos que a ACAPO destaca. Serafim Letra enumerou como principais falhas a não sinalização dos passeios, das escadas e a falta de ferramentas nos transportes urbanos. “Junto da sede da AdIN, se uma pessoa se distrai no passeio, chega às escadas sem se aperceber e pode cair. Já nós urbanos é preciso perguntar qual é a linha e a paragem, pois não termos forma de saber a não ser contar as vezes que o autocarro para ou faz curvas”, realçou, acrescentando que a colocação do piso táctil é um ponto muito positivo, mas que ainda há uma grande caminhada pela frente.
ACAPO em Vila Real há 16 anos
A ACAPO é uma IPSS que trabalha em prol da inclusão social das pessoas com deficiência visual e promoção da sua qualidade de vida. Para tal, desenvolve um trabalho ímpar na habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência visual, defende continuamente os seus direitos e coopera com todas as entidades e particulares que queiram participar na construção de uma sociedade mais inclusiva e acessível a todos.
A sede, em Vila Real, está localizada na rua Francisco Sales Costa Lobo, Lt. 5 r/c direito, nº7 A (próximo do Minipreço) e pode ser contactada através do telefone: 259 338 330 e/ou do e-mail: vilareal@acapo.pt.
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