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Autor Tópico: De regresso a Lisboa, na minha cadeira de rodas especial, vejo a minha cidade como nunca antes  (Lida 170 vezes)

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De regresso a Lisboa, na minha cadeira de rodas especial, vejo a minha cidade como nunca antes

Os turistas apercebiam-se da ginástica que fazia a cada metro para não me “esbardalhar” naqueles percursos pensados para cascos de cavalos e não para rodas de cadeiras. Um deles meteu-se comigo: “Are you an Uber?”. Respondi-lhe: “No, I’m a tuk-tuk!”
Marta Canário Guimarães

por Marta Guimarães Canário
23.09.2024


Tal é a avalanche de coisas que vi no meu passeio de ontem que nem sei por onde começar a contar-vos. Mas, antes de mais, dois enquadramentos rápidos.

Nasci em Lisboa. Tenho 49 anos e desloco-me numa cadeira de rodas desde os 15 anos, devido a um acidente em casa. Vivi em Alvalade, na Avendia da Igreja, até aos 25 anos. Depois do acidente, foi necessário encontrar um apartamento mais preparado para a minha nova condição, razão pela qual acabei por me mudar com a família para a margem sul.


Casal de turistas banham-se ao sol nas margens do Tejo. Foto: Marta Canário.

Escolhemos a Charneca de Caparica que, para além de já conhecermos por termos lá uma casa de férias alugada ao ano, era perto de Lisboa mas também da praia – que adoramos – e mais barato, tendo em conta que eu precisava de um prédio com todas as condições para a minha cadeira de rodas.

Lisboa manteve-se como local de trabalho e, muitas vezes, de lazer. Sempre olhei para a minha cidade com orgulho. Da sua longa história, da sua viva vida e da sua inconfundível luz que não se encontra em lado nenhum no mundo. Mas depois de “ter ficado” de cadeira de rodas, tornou-se numa cidade demasiado difícil de conhecer sem ser de carro.

Eassim foi, até que há uns anos comprei um dispositivo que, acoplado à minha cadeira, a tornava elétrica, e que me facilitava a circulação, tornando possível percorrer alguns caminhos que nunca antes, nem de carro, tinha percorrido.

Altura para o segundo enquadramento.

Sempre gostei de fotografia. Quando era miúda pensei em tirar um curso na área, mas a técnica usada naquele tempo para aprender a revelar os rolos, implicava passar por um labirinto onde não cabia a minha cadeira, por isso acabei por esquecer o assunto.

Sem técnica mas com olho, era quase sempre eu que fotografava as festas de amigos e, com o aparecimento dos telemóveis, comecei a usar as câmaras dos meus para registar alguns instantes da minha vida. E foi assim por muitos anos.

Até que namorei com um fotógrafo cujo trabalho fui aprendendo a observar. Durante três anos vi-o a captar momentos de forma incrível e o bichinho adormecido da fotografia começou a acordar dentro de mim. Devagarinho, também eu me arriscava a fotografar o que me chamava atenção.


Foto: Marta Canário.
Quando a relação terminou, senti que precisava de algo que me obrigasse a estar totalmente focada e decidi que tinha chegado a altura de olhar para a fotografia de forma mais séria. Entre todos os estilos, e talvez por ser mais a espontânea e não precisar de tanta produção, dediquei-me à fotografia de rua.

Assim nasceu o @marta_canario_photos no Instagram, em 2022, onde tenho vindo a publicar o que registo durante os meus longos passeios. Enquadramentos feitos, são estes passeios que me trazem aqui, e que me levam a escrever- vos estas linhas.

Ontem decidi enfiar-me mais uma vez no barco em Cacilhas e ir até ao Cais do Sodré. Esta zona da cidade é quase sempre local de eleição porque é um espaço com bastante turismo, muita coisa a acontecer, logo, bom para fotografar.

Mas desta vez optei por explorar ruas mais difíceis – nunca esquecer que faço isto sentada numa cadeira de rodas e que a única ajuda que levo comigo é o tal dispositivo que a torna elétrica e mais fácil de conduzir.

Terreiro do Paço, Rua Augusta, sempre em frente. Enfiei-me por ruas paralelas, duas à direita, três à esquerda e, quando dei por mim, já estava perdida, eu que sou uma desorientada por natureza. Mas lá percebi que estava às portas do Bairro Alto.

O sol estava baixo, a luz iluminava as ruelas calcetadas daquele bairro boémio, parecendo torná-las mais íngremes, mais irregulares e escorregarias para as minhas rodas. Pensei: “Será que consigo?”.

Ao longe vi um “puto” a jogar à bola na rua, em contraluz. Peguei na câmara e não resisti a fotografar. É o tipo de coisa que já não se vê muito e quis captar o momento.



Uma criança joga futebol nas ruas do Bairro Alto: cena cada vez mais rara. Foto: Marta Canário.
Quando baixei a câmara estava um morador a fumar um cigarro à porta e a rir-se para mim. Perguntei-lhe: “Acha que a minha mota aguenta esta subida?” A resposta dele, “Vá, e faça- me sinal que eu vou lá ajudá-la se não conseguir!”, deu-me a coragem que me faltava.

Apanhei balanço e, a fundo, consegui chegar ao topo da rua. Travessa da Queimada, Rua da Barroca, Rua Luz Soriano, Rua da Atalaia, num sobe e desce que não acabava. Cada canto mais bonito do que o outro.

Obairro sempre engalanado de flores de papel colorido, e eu com o coração a bater mais rápido, fascinada por estar a conseguir, sozinha, percorrer ruas que sabia existirem mas que nunca tinha pisado, atenta a cada pormenor, a cada prédio antigo, a cada candeeiro, a cada residente. Mas sempre com um olho no piso difícil e armadilhado que me corria rápido debaixo das rodas.

Gente típica e castiça. Simples. O carinho com que me olhavam quando passava. O sorriso discreto dos turistas que se apercebiam da ginástica que fazia a cada metro para não me “esbardalhar” naqueles percursos pensados para cascos de cavalos e não para rodas de cadeiras. “Do you need help?”, por vezes precisei.

Um deles meteu-se comigo:


Parei num quartel de bombeiros, pedi ajuda para me encherem os pneus. “Oh menina, o carro que tem a bomba não está cá…”, disse-me desolado o soldado da paz. Mas rapidamente nos esquecemos da falta de ar nos pneus e ali ficámos os dois à conversa sobre as minhas aventuras por aqueles labirintos. “Venha cá ter connosco mais vezes!”, disse-me antes de nos despedirmos. E eu irei, com toda a certeza.

Comecei a fazer o caminho de volta, ainda parei na Luís de Camões onde me encantei a ouvir a voz de um cantor de rua com o poeta como pano de fundo. A praça estava cheia mas havia um silêncio profundo que respeitava o artista. O sol já estava quase a pôr-se e o tom laranja do céu tornou aquele momento ainda mais mágico.


As ruas do Bairro Alto são um desafio para quem tem mobilidade reduzida. Foto: Marta Canário.
Já era tarde, precisava de seguir o meu caminho para apanhar o barco de volta para casa. “Lisboa é linda a qualquer hora do dia, mas a luz do fim da tarde é simplesmente inacreditável”, pensei.

Faltavam 10 minutos para o barco arrancar. Antes de entrar na estação ainda olhei para trás e pensei: “É por isto que vens, Marta Canário, para sentires isto. Para saberes que existe e que consegues vê-lo pelos teus olhos.”

Sinto-me uma privilegiada. Sentada numa cadeira mas com aquela ajuda que a torna elétrica – que não elimina a falta de acessibilidades gritante da minha cidade que pode e deve ser tão mas tão melhorada – e que me permite conhecer bocadinhos da minha cidade como nunca antes.


Foto: Marta Canário.

O barco atracou, finalmente, em Cacilhas. Foi uma viagem rápida e tranquila. Hora de ir para casa e planear o próximo passeio. Levava a câmara cheia de momentos para guardar. Da minha Lisboa, onde nasci e cresci mas que pouco ou nada conhecia. E que, agora sim, é cada vez mais minha.

E eu dela.



Fonte: https://amensagem.pt/2024/09/23/cronica-marta-canario-mobilidade-cadeira-rodas/

 

 



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