Jogos Paralímpicos: "Cabo Verde é um país cada vez mais inclusivo"Publicado a: 01/09/2024 - 19:33
"As deficiências físicas de muitos atletas são consequências de guerras, doenças ou acidentes e operações", afirma o presidente do comité paralímpico de Cabo Verde e membro do comité paralímpico internacional, José Rodrigo Bejarano.
Presidente do comité paralímpico de Cabo Verde e membro do comité paralímpico internacional, José Rodrigo Bejarano. © RFI/Lígia Anjos
RFI: Cabo Verde tem dois atletas a participar nestes Jogos Paralímpicos. Pode descrever-nos a delegação de Cabo Verde?
José Rodrigo Bejarano: Não vamos só participar. Antes utilizávamos esse termo e agora falamos em competição. Os nossos dois atletas têm resultados bastante interessantes. Começamos com o atleta feminina Heidilene Oliveira; ela é uma atleta com limitações visuais da categoria T12. Ela vai correr com o seu guia e vai fazer a competição de 100 e 200 metros. Depois temos o atleta Marilson Semedo; amputado de perna e vai fazer lançamento de dardo na categoria 57.
São atletas que não estão aqui para participar, mas para competir. O que é que mudou para passarmos do verbo participar ao Competir?
Eu acho que é o evento, isto não é uma passarela. O evento demonstra atletas de altíssimo nível. São pessoas que treinam igual, mais e têm muito mais desafios que os atletas convencionais, os olímpicos. Além dos já conhecidos obstáculos, desafios diários, têm as suas limitações físicas e sensoriais e isso acrescenta mais ao valor da competição. A terminologia não estava errada porque são participantes de um evento, mas eles estão aqui a competir e isso que nós queremos ver.
Enumerou as categorias nos quais os atletas cabo-verdianos vão competir. Como é que se prepararam para estar aqui?
A maioria dos atletas já tem um percurso. O Marilson, por exemplo, participou em Tóquio e é a segunda vez que vai participar. São atletas que já estão a preparar-se para a competição há muito tempo.
A Heidilene também é uma atleta que está constantemente a treinar. Eles combinam as suas actividades normais escolares, na universidade e as coisas quotidianas com os treinos. Evidentemente que gostaríamos de ter melhores condições, recursos humanos que trabalharem com eles mais de perto. Só para te dar uma ideia, a treinadora de Marilson é cubana e ela treina-o a partir de Cuba para Cabo Verde.
É o Presidente do Comité Paralímpico de Cabo Verde. O que é que espera destes dois atletas?
Estou contente porque vamos ver a bandeira de Cabo Verde e mostramos, uma vez mais que somos um país inclusivo, resiliente. Temos outros desafios, outras situações, mas esta especificamente, desde o ano 1998, estamos presentes desde que fundamos o Comité. Sempre tivemos apoio de acordo com as possibilidades do nosso país. Lembro que Cabo Verde é um país muito jovem, tinha os seus próprios desafios, tem seus próprios objectivos. Ver o desporto como uma ferramenta de inclusão é importante.
Em Cabo Verde, já há uma inclusão no desporto massiva ou ainda há trabalho por fazer?
Não sei se massiva, por exemplo, nas nove ilhas habitadas, todas têm uma instituição, um pequeno comité, uma associação regional de desporto. Isso já quer dizer alguma coisa, inclusive a mais pequena que é a ilha do Maio- onde há menos população. Há jogos escolares, incluíram algumas modalidades para os jovens com algumas limitações físicas, sensoriais, com deficiência. Isso já é algo muito. A lei de base do sistema desportivo cabo-verdiano inclui os atletas paralímpicos. Só para dar uma ideia, os prémios que ganham um ganhador de medalha olímpica têm o mesmo valor de medalha paralímpica, inclusive os nossos dois Comités Olímpicos e Paralímpicos têm uma visão de juntar os dois comités, como fazem os Estados Unidos, os Países Baixos, a África do Sul Queremos ser talvez o primeiro país pequeno em conseguir este. Hoje estamos pelo bom caminho.
Por que motivo a maior parte dos países não o faz?
Acredito que são vários factores. Eu trabalhei durante 12 anos como secretário-geral do Movimento paralímpico africano. Infelizmente, muitos comités estão de costas viradas, querem protagonismo. Outro motivo é que, talvez, não tenham capacidade e a visão ainda das coisas positivas que podem sair ao juntar as mesmas formações, as mesmas oportunidades, a mesma valorização.
Foi secretário do Movimento Paralímpico africano. Como é que se posicionam os países africanos hoje nos Jogos Paralímpicos?
O continente africano é a região do Comité Paralímpico Internacional maior. Em África temos 54 países, entre os quais 48 comités paralímpicos registados, ainda faltam uns quatro ou cinco. Temos diferentes níveis; se falarmos de África do Sul, Egipto, Marrocos, Argélia, Nigéria, estamos a falar de comités vencedores de medalhas, de recordes mundiais. Depois há os países médios como Angola, Ruanda, Quénia. Depois os mais pequenos, do nosso tamanho, com a nossa dimensão e capacidade financeira. Evidentemente que Cabo Verde nunca vai ter uma delegação como a que tem a Nigéria, um país com 200 milhões de pessoas, nós só temos meio milhão de habitantes. Mas esta região africana é a que deveria servir, talvez para mim, de exemplo para o mundo inteiro.
A maioria dos atletas que participam no movimento paralímpico são produto de guerras tipo Ruanda, Angola, onde há muitos amputados ou algumas doenças que já foram erradicadas há 40 anos, como o pólio. Ainda há alguns casos em África e outras vítimas de acidentes e operações, fenómenos que já foram ultrapassados ou não existem noutros países, são os que fazem com que o continente tenha o desafio de se organizar para dar oportunidade a esta população. Há muitos países que não dão importância suficiente, não somente o desporto convencional, mas muito mais a desporto paralímpico.
Há pouco falava das categorias dos atletas cabo-verdianos F57 e T12. Que categorias são estas?
É muito interessante. Quando cheguei a primeira vez a umas competições, tive que aprender, eles começaram a perguntar-me que atletas tinha. Eles diziam; ‘tenho uma T12 50’ e eu não entendia do que se tratava. As letras são para definir o desporto e o número, por exemplo, 5, quer dizer que é amputado da perna. Se ele é amputado de perna abaixo de joelho, é um número, na altura do joelho é outro número.. 55, 56, 57. Se for de braço, seriam 40.
A Heidilene tem uma deficiência visual. A deficiência visual corresponde aos números 11, 12 e 13. Como é ela corredora é T de Track. 11 é totalmente cego, 12 vê umas luzes e 13 já tem uma mínima visão para poder competir com mais técnica. Esta terminologia é interessante porque agora é globalizada. Todos utilizam uma classificação para todo mundo geral.
A atleta cabo-verdiana vai ser acompanhada por uma guia. A guia tem que treinar também. Como é que tudo acontece ?
Eu costumo dizer que tenho três atletas, mas só dois vão competir. Os guias são muito importantes porque têm de acompanhar, tem que se preparar de igual forma que o atleta. Antes de chegar à meta, os guias não podem passar à frente na linha final e devem recuar um pouco. Para isso tem que prestar muita atenção porque se o guia passar primeiro na meta, a corrida é anulada.
Têm de estar com muita atenção para não tropeçar, ir ao mesmo ritmo, saber quando um atleta vai muito mais rápido. Às vezes ele está excitado e tem que acompanhar. São como uma sombra é nisso consiste ser um guia. Este é um trabalho muito louvável, muito profissional.
Há três semanas, os Jogos Olímpicos foram vividos com euforia. Cabo Verde conquistou a primeira medalha olímpica. Espera que estes Jogos Paralímpicos também proporcionem esta sensação de euforia e de festa?
Gostaríamos muito, seria um sonho. Não fizemos primeiro, vencemos a primeira medalha de uma competição da categoria dos Paralímpicos no Rio de Janeiro, em 2016, independentemente de ser olímpicos ou não. Foi uma alegria nacional, colocámos o nome de Cabo Verde no mapa dos medalhistas paralímpicos.
Ficámos muito felizes com David, que ganhou a sua medalha também de bronze para Cabo Verde. Como dizem os brasileiros, tomara que se repita. Sabemos que é um desafio muito grande. O nível dos atletas é muito alto para cada classificação desportiva. Se a medalha vier, vai ser uma alegria extra, mas também nós sabemos que os cabo-verdianos ficam muito felizes de ver nossa bandeira desfilar nos Campos Elísios, em Paris, onde temos em França uma comunidade muito grande.
Por:
Lígia ANJOS
Fonte:
https://www.rfi.fr/pt/programas/convidado/20240901-jogos-paral%C3%ADmpicos-cabo-verde-%C3%A9-um-pa%C3%ADs-cada-vez-mais-inclusivo