Bloco de Notas das Urgências, 1977de Lucia Berlin

Lar para cegos em St. Paul, Minnesota - Jerome Liebling, 1963
Vi o Sr. Adderly, cego, no autocarro 51, há umas noites. A sua mulher, Diane Adderly, chegou cadáver há uns meses. Ele tinha encontrado o seu corpo aos pés da escada, com a sua bengala. A merdosa da enfermeira McCoy não parava de lhe dizer que parasse de chorar.
«É que não adianta de nada, Sr. Adderly.»
«Nada adianta. É tudo quanto posso fazer. Deixe-me em paz.»
Quando percebeu que a McCoy se tinha ido embora, para fazer preparativos, disse-me que era a primeira vez que chorava. Isso assustava-o, por causa dos seus olhos.
Pus a aliança dela no seu dedo mindinho. Tinha mais de mil dólares em notas sujas no seu soutien, e pus-lhas na carteira. Disse-lhe que eram de cinquenta, vinte e cem e que teria de encontrar alguém que o ajudasse com aquilo.
Quando, mais tarde, o vi no autocarro, ele deve ter-se lembrado da minha forma de andar ou do meu cheiro.
Não o vi, de todo, entrei simplesmente no autocarro e afundei-me no banco mais próximo. Ele até se levantou do banco junto ao motorista para vir sentar-se ao meu lado.
«Olá, Lucia», disse ele.
Foi muito engraçado a descrever-me o seu novo colega de quarto, desarrumado, no Lar Hilltop para Cegos. Não fazia ideia de como sabia que o seu colega de quarto era desarrumado, mas depois ocorreu-me e eu contei-lhe que imaginava uma coisa do tipo Irmãos Marx - creme de barbear no esparguete, escorregadelas em stuffaroni entornado, etc. Rimo-nos e ficámos em silêncio, de mãos dadas... de Pleasant Valley à Avenida Alcatraz. Ele chorou, de mansinho. As minhas lágrimas eram pela sua solidão, pela minha própria cegueira.
FIM