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Autor Tópico: No cérebro digital  (Lida 885 vezes)

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Offline Sininho

No cérebro digital
« em: 22/07/2025, 17:54 »
 
No cérebro digital

A Organização Mundial da Saúde recomenda não expor os menores de 2 anos a ecrãs e limitar o seu uso a uma hora por dia como máximo até aos 5 anos. Apesar das advertências, a imagem de uma criança concentrada num tablet ou num telemóvel é bastante habitual.

Trata-se de uma desescalada tecnológica: tudo o que pode ser feito em papel, é feito em papel. É o que nos dizem os professores da Escola Pia de Caldes de Montbui, perto de Barcelona, cujas salas de aula são um doce retrocesso no tempo.

Não há computadores portáteis, nem tablets, nem quadros eletrónicos. Quase não há calculadoras. E, claro, nem um telemóvel. Numa sala de aula, os alunos do quinto ano, com 10 e 11 anos, copiam à mão o enunciado de um problema de matemática ditado pelo professor (não há folha impressa) e, num caderno à parte, fazem as operações. Noutra sala, alunos do ensino secundário numa aula de Literatura dispõem-se em semicírculo para conseguirem ver a cara uns dos outros.

Os livros são de papel. Os estudantes tiram apontamentos com a caneta e todos têm à mão um corretor, um utensílio nostálgico com a mesma função da tecla delete.

A campainha toca e saem para o pátio onde se conversa e brinca. É um microcosmo, digo para mim. Sobrecarregados como estamos por uma avalancha de estímulos constantes na palma das nossas mãos, tecnodependentes e incapazes de narrar seja o que for sem mostrar uma imagem ou olhar nos olhos uns dos outros enquanto julgamos estar mais ligados do que nunca, a visão de cinco adolescentes a jogar às cartas parece-me uma cena idílica que seria inaudita se tivessem um telemóvel no bolso.

No seu gabinete, Lorena Jiménez e Ascensi Laglera, diretoras pedagógicas da escola, falam como corajosas arquitetas da mudança, porta-vozes de um movimento que decidiu dar prioridade ao papel em detrimento do ecrã. Contam-me como, após a pandemia de COVID-19 e o confinamento, os computadores portáteis e as plataformas online para comunicar com o professor, aceder ao material didático ou fazer trabalhos ganharam terreno: os ecrãs foram a grande salvação, permitiram estudar à distância e os alunos habituaram-se a eles. Mas, ao fim de três anos, começaram a soar os alarmes.

“Demo-nos conta de que os estudantes tinham cada vez mais dificuldade em estruturar apontamentos ou um dossier”, explica Lorena. “Faltava-lhes o exercício mental que se faz em frente da folha em branco, quando se pensa no que é importante e se planeia mentalmente o espaço a dar a cada conceito. Apagar e trabalhar em tempo real com uma aplicação facilitava a criação de apresentações com ótimo design, mas reduziu a capacidade de síntese.” A interpretação de um texto – ou até a definição de um dicionário – era uma montanha a escalar e, nos exames, a má caligrafia juntava-se ao péssimo domínio da ortografia: “Quando escrevemos em papel, temos de saber se uma palavra se escreve com g, com j, com h ou sem h; mas quando escrevemos com autocorrector, não precisamos de aplicar essas regras e não as aprendemos.” O cálculo também se ressentia: “Agora promovemos o cálculo mental.

O factor que convenceu estas duas docentes a revolucionar o projecto escolar foi a irrupção das ferramentas de IA, como o ChatGPT, que inviabiliza alguns princípios pedagógicos básicos: como pode um aluno aprender sem esforço? Como pode escrever bem se nunca escreve?

Naturalmente, esta não é a única instituição a apostar na desescalada tecnológica: há uma tendência global. Há dois anos, a Suécia anunciou um investimento de 60 milhões de euros para voltar a ter livros de papel nas escolas públicas, uma ideia que se expandiu pela Europa.

Em Portugal, o processo é mais tímido, mas também existe. O Movimento Menos Ecrãs, Mais Vida nasceu da iniciativa de quatro mães com filhos entre os 6 e os 12 anos. Catarina Prado e Castro, uma entomóloga forense sediada em Coimbra, cujo trabalho, por vicissitudes do destino, até já foi abordado pela National Geographic Portugal reconhece que ainda só se deram os primeiros passos. “Na Europa e em países como o Brasil, já foram adotadas pela comunidade escolar restrições no acesso aos smartphones. É inevitável caminhar nesse sentido”, diz.

No seu caso, um dos primeiros sinais de alarme soou quando se apercebeu pelas conversas do filho de 10 anos que na escola estava a ter acesso a conteúdos pornográficos. Os filhos de Catarina não têm smartphone, mas a maioria dos colegas tem, e boa parte deles sem qualquer controlo parental. Este é aliás um argumento de peso para não confiar no simples bom senso dos encarregados de educação. Catarina sublinha o carácter aditivo das redes sociais e dos jogos, mas também a necessidade de salvaguarda da privacidade das crianças e o cyberbullying.

“O bullying sempre existiu nas escolas, mas agora pode dar a volta ao planeta e ficar visível para sempre com um impacte mais violento e duradouro”, resume. A exposição excessiva e sem mediação a conteúdos online transformou-se num problema de saúde pública e deve ser encarado como tal. Catarina gostaria de ver, como já sucede noutros países, campanhas de sensibilização para o problema. No passado, estes instrumentos revelaram-se eficazes no combate ao tabagismo, na prevenção rodoviária ou no incentivo à reciclagem. Há por isso motivos para acreditar que também poderia ajudar a superar este problema.

Ainda antes da constituição do Movimento, em 2023, Mónica Pereira, instrutora de ioga para crianças, criou uma petição para levar o tema ao Parlamento. Apesar de reunir 24.000 assinaturas, foi preciso esperar por Setembro de 2024 até o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) aceitar uma reunião com o recém-criado Movimento. Na altura, em Portugal, apenas 2% dos agrupamentos escolares impunham algumas restrições ao acesso a smartphones dentro das escolas. No rescaldo da reunião, o MECI emitiu um conjunto de recomendações às escolas sobre o uso de smartphones em contexto escolar.

Desde então, o número de escolas aderentes duplicou. A relutância em implementar restrições não é fácil de entender, mas Catarina Prado e Castro sugere uma hipótese. “Com quadros muito limitados, é mais fácil manter os alunos absorvidos em frente dos ecrãs do que a brincar no recreio, onde a vigilância seria mais exigente.” Entretanto, algumas escolas estão a trocar os manuais de papel e os cadernos por manuais digitais e tablets. Os indicadores internacionais sugerem que os problemas de saúde mental estão a crescer entre os mais novos e a pandemia tem costas largas, mas Catarina sublinha que vários estudos sugerem que estes problemas já estavam a aumentar quando o vírus surgiu e os ecrãs se estabeleceram ainda mais na vida dos jovens. “A pandemia acelerou um processo de crescimento de problemas de saúde mental, que já estavam em ascensão”, diz.

A médio prazo, as mães portuguesas que se organizaram neste movimento têm a expectativa de que, à semelhança do que sucede noutros países, as escolas sejam zonas livres de smartphones, mas no imediato concentram-se em assegurar que isso ocorra pelo menos até ao 9.º ano, contribuindo para que a idade com que a maioria das crianças recebe o seu primeiro smartphone possa passar da faixa de 9-10 anos para 14-15. Os gurus da tecnologia digital de Silicon Valley gabam-se de não terem ecrãs em casa e inscrevem os filhos em escolas alternativas como a Escola Waldorf, presente em todo o mundo e conhecida por promover a aprendizagem artística e experimental. No mundo pré-pandémico, era considerado um sonho proporcionar computadores portáteis aos alunos da escola primária. O número de computadores e tablets disponíveis reflectia a capacidade de cada escola para enfrentar os desafios do futuro e o nível socioeconómico das famílias. Agora, o lema é outro: quanto menos ecrãs, melhor.

O cérebro digital é uma realidade. Corresponde de facto àqueles que nasceram no século XXI, os “nativos digitais”, mas também se tornou, por adaptação, uma anatomia necessária para a “geração analógica”. É fascinante, mas o fenómeno exige uma observação mais minuciosa.

David Bueno, catedrático de Neuroeducação da Universidade de Barcelona, é membro da recém-criada Comissão para a Digitalização Responsável nos centros educativos da Catalunha. Biólogo de formação, gosta de lembrar que a ciência aprende com todas as expressões artísticas, quer se trate de música, poesia ou pensamento filosófico e que todas têm repercussões no desenvolvimento cognitivo, emocional e social. Talvez por isso, vê-lo posar com essa atitude para a nossa revista na instalação de arte imersiva digital de Irma de Vries, no Museu MOCO, é testemunhar uma cena improvável.

David alerta para o impacte negativo da digitalização excessiva: “Se vivermos num ambiente em que tudo é imediato, isso levará à impulsividade. Estamos a perder a nossa capacidade de atenção e não podemos adiar as recompensas.”

As redes sociais geram dependência: “As gratificações instantâneas que oferecem são descargas de dopamina, um neurotransmissor que funciona como nas adições: queremos mais e, se não o tivermos, sentimo-nos vazios. O humor oscila como numa montanha-russa.”

E podem essas faíscas de euforia alterar as funções cerebrais? Sim, sobretudo nas crianças e nos adolescentes: “Os que olham para as redes sociais com frequência mostram neurodesenvolvimento diferente nas redes emocionais, motivacionais e de controlo cognitivo; a verificação habitual à procura de likes pode estar associada a alterações da sensibilidade neural.”

A equipa do Laboratório ConnectedMinds de Amsterdão tem trabalhado sobre a impulsividade e o impacte dos likes. Wouter van den Bos, licenciado em Filosofia, fundou o laboratório em 2018 para monitorizar as mudanças no desenvolvimento cognitivo dos jovens em relação ao ambiente. A equipa “aterra” nas escolas secundárias munida de tablets com os quais os jovens respondem a todo o tipo de testes, depois analisados com modelos computacionais e técnicas de neuroimagem. O estudo mais recente aborda a repercussão das redes e dos likes na saúde mental e na autoestima: “Nesta faixa etária, são mais sensíveis à aceitação e à rejeição e já não estão só expostos ao que pensa um grupo ou uma pessoa: mostram-se ao mundo inteiro e, através do que publicam, constroem a sua identidade social”, diz Wouter por videoconferência. E, de facto, o humor dos adolescentes muda em função dos likes recebidos.

Quando lhe peço para se pronunciar como defensor ou opositor desta nova realidade, Wouter é evasivo: “Quase todos os estudos têm mais em conta o tempo que os jovens passam em frente aos ecrãs do que o conteúdo que consomem. Assistir a histórias no TikTok ou similares não conduzirá ao desenvolvimento de novas competências. Mas há outras utilizações em que o ecrã é apenas o suporte, e a mudança na forma como percebem os conteúdos não tem de ser negativa.” (...)

Continuação do artigo em National Geographic, por indicação de Livresco
Queira o bem, plante o bem e o resto vem...
 

 



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