MEDICAMENTOS PARA A COVID-19. UM GUIA SOBRE OS TRÊS PRINCIPAIS CANDIDATOSMargarida Alpuim
21 abr 2020
Há três principais medicamentos candidatos para tratar a Covid-19. À partida a sua aprovação será mais rápida do que a das vacinas, mas o seu papel no combate à doença também é muito mais limitado. Que medicamentos são estes? Que esperanças podemos depositar neles? Por que motivo não podem ser vistos como a solução para a pandemia? Este é um guia para entender o que faz destes os medicamentos mais promissores e quando poderemos esperar que cheguem ao mercado.
Medicamentos para a Covid-19. Um guia sobre os três principais candidatos
JEFF PACHOUD / AFP
Os esforços dos laboratórios farmacêuticos o nível mundial foram redirecionados nos últimos meses para encontrar um medicamento (e uma vacina) para tratar a doença provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2).
Uma resposta poderá chegar ainda em 2020, antes de fazer um ano desde o anúncio do primeiro caso, a 31 de dezembro de 2019, na China. Em menos de quatro meses, o vírus que provoca problemas respiratórios graves pôs a maior parte do mundo em suspenso, com as populações fechadas em casa para evitar a propagação. No total, já se contabilizam mais de 2,3 milhões de casos de infecção, quase 165 mil mortos e cerca de 525 mil pessoas consideradas curadas. Em Portugal, à data de publicação deste artigo, há mais de 20 mil casos confirmados, mais de 700 vítimas mortais e acima de 600 casos de recuperação.
Fomos conhecer os medicamentos mais promissores: quando foram criados e para que fins, porque são considerados promissores, em que ponto estão as investigações e quais são os próximos passos.
Para encontrar as respostas às nossas questões, falámos com vários especialistas e instituições, incluindo a Gilead, empresa norte-americana responsável por aquele que é considerado por alguns como o medicamento mais promissor. O Infarmed (Autoridade Nacional do Medicamento em Portugal) disponibilizou-se para ajudar no esclarecimento de dúvidas, mas acabou por não responder atempadamente às nossas questões.
Este guia está organizado em torno dos seguintes tópicos:
1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
6. Remdesivir. No topo dos “mais promissores” mas o único que ainda não foi aprovado
7. Cloroquina e hidroxicloroquina. Os que têm gerado mais controvérsia
8. Ritonavir e lopinavir. Combinação de fármacos para o VIH
1. Qual é o lugar dos medicamentos no panorama geral de combate à pandemia?
O combate à pandemia implica conseguir conter a propagação do vírus e tratar das pessoas infetadas. Isto faz-se a vários níveis e em diferentes momentos. Os medicamentos entram nesta escala. Vamos lá por exclusão de partes.
Numa primeira fase, surgem as medidas de isolamento social e a realização dos testes de diagnóstico. No longo prazo, espera-se a chegada de uma vacina, que permita levarmos uma vida livre de confinamento e sem risco para a saúde pública.
Enquanto isso, no médio prazo, importa ir tratando as pessoas que ficam doentes.
Destas, sabe-se, até ao momento, que a maioria das pessoas, cerca de 80%, apenas tem sintomas ligeiros. Essas são tratadas com paracetamol, “caso tenham febre”, não havendo “indicação para fazer mais nada neste momento”, explica Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.
O grupo remanescente, que representa 20% do total, é constituído por pessoas que têm quadros clínicos mais complicados, precisando de ser internadas. “Os casos mais severos precisam de estar em Unidades de Cuidados Intensivos e uma parte deles, infelizmente, acaba por morrer”, continua o epidemiologista.
É aqui que entram os medicamentos que estão a ser testados: são uma possível resposta para as pessoas que estão hospitalizadas com sintomas mais severos da doença. Estes “protocolos terapêuticos são exclusivamente hospitalares”, esclarece o médico.
Ou seja, não estamos a falar de medicamentos que possam ser receitados pelo médico e comprados na farmácia para toma em casa visando o tratamento da Covid-19. Os possíveis medicamentos em investigação são, pelo menos para já, para utilização em contexto hospitalar.
2. Quais os passos necessários para que os medicamentos cheguem até aos doentes?
Desde que é identificada uma necessidade até que um medicamento chegue ao doente, estas são, de forma resumida, as etapas percorridas:
- Investigação pré-clínica para o desenvolvimento de um medicamento que se aplique à doença em causa;
- Três ou quatro fases de ensaios clínicos, para testar a eficácia e a segurança do fármaco, e que acontecem com um número cada vez maior de pessoas;
- Aprovação pelas entidades reguladoras;
- Produção e distribuição (venda ou doação) do medicamento por parte das empresas farmacêuticas que o desenvolveram.
Os passos são semelhantes aos necessários para a criação de uma vacina (saiba mais aqui sobre a corrida às vacinas para a Covid-19).
A grande diferença entre os medicamentos e as vacinas, em relação ao tempo necessário até chegarem à população no caso da Covid-19, é que a vacina precisa de ser feita de origem e os medicamentos que estão a ser testados já existiam para outras doenças.
Ou seja, o seu desenvolvimento, a aprovação e principalmente a produção serão muito mais céleres. No fundo, simplificando o que é bastante complexo, é “só” preciso confirmar que os medicamentos são eficazes para esta doença.
3. Uma esperança com “alerta amarelo”
Antes de mais, os especialistas alertam: os medicamentos não são a solução para a pandemia. Os medicamentos servem essencialmente para tratar as pessoas já infetadas — e o que se pretende é evitar que as pessoas cheguem a ficar doentes. Por outro lado, é arriscado depositar nestes fármacos a esperança da cura porque os antivirais têm “uma taxa de sucesso variável consoante o paciente”, lembra David Cristina, biólogo de formação que nos ajudou a entender algumas questões mais técnicas sobre os fármacos (o cientista é também diretor de investimento em Portugal do grupo chinês Fosun; o grupo não se encontra envolvido no desenvolvimento de medicamentos para a Covid-19 em Portugal). Além disso, estes medicamentos muitas vezes têm efeitos secundários consideráveis e podem mesmo levar à morte.
Dito isto, os medicamentos não deixam de ser um campo de grande investimento nesta fase, por parte quer dos laboratórios da indústria farmacêutica, quer dos governos e organizações mundiais. Há vários motivos para isso.
A maioria são medicamentos que já existem — foram desenvolvidos para outras doenças — e, por isso, poderão ser postos a circular mais rápido, assim que se prove a sua segurança e eficácia para a Covid-19.
Um outro motivo de aposta nos medicamentos é o facto de poderem salvar a vida das pessoas em que a doença se manifesta de forma mais severa.
Além disso, contribuem para que os doentes estejam menos tempo em tratamento, logo para que as camas dos hospitais fiquem vagas mais rápido e possam receber novos doentes.
4. Afinal, o que é um vírus e como funcionam os medicamentos antivirais?
Os vírus são microrganismos compostos por um núcleo com o material genético que pode ser de dois tipos: RNA (ácido ribonucleico) ou DNA (ácido desoxirribonucleico). Os coronavírus são um grupo de vírus de genoma de RNA.
Alguns vírus, como é o caso do novo coronavírus (SARS-CoV-2), estão envolvidos num “envelope lipídico, que pode facilitar a entrada do vírus na célula hospedeira”, explica a Apifarma (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica) em declarações ao SAPO24. É aqui que ganha sentido a tão repetida importância da lavagem das mãos: o sabão destrói esta camada de gordura, matando o vírus.
Como é que o vírus entra nas nossas células? Através das proteínas que tem na camada externa. Depois de entrar, as células humanas seguem as instruções do vírus para replicar o RNA viral - o vírus não tem capacidade para se replicar sozinho.
Assim, “os medicamentos antivirais podem atuar através de diferentes mecanismos”, esclarece a Apifarma: pela “prevenção da entrada do vírus; pela inibição de ligação do vírus à superfície celular; pelo bloqueio da replicação RNA/DNA na célula; pela inibição da saída/libertação do vírus da célula”; entre outros.
Um “antivírico ideal” deverá ter capacidade para “penetrar na célula”; “possuir largo espetro”, ou seja, ser eficaz contra vários vírus; “possuir potência suficiente para a inibição completa da replicação vírica”; “não conduzir ao desenvolvimento de resistências”; “exibir toxicidade mínima para a célula hospedeira”; “não interferir com os mecanismos normais de defesa celular”; “não suprimir o processo normal de desenvolvimento de imunidade activa do hospedeiro”, explica a Apifarma.
Isto seria a solução ideal para um anti-viral, algo que dificulte a vida ao vírus dentro do corpo humano, que reforce as nossas defesas, sem ter qualquer contraindicação. É isto que os laboratórios farmacêuticos procuram, sendo que na prática o mais provável será sempre terem de fazer algum tipo de compromisso entre vantagens e potenciais contraindicações, cabendo aos médicos, depois de todo o processo de investigação e aprovação concluído, a decisão final face ao contexto de cada paciente.
5. Os três principais candidatos: porquê estes?
Dezenas de medicamentos estão em estudo para a Covid-19 em todo o mundo. A Agência Europeia do Medicamento, por exemplo, tem interagido com várias empresas responsáveis pelo desenvolvimento de cerca de 40 opções terapêuticas, diz a Apifarma.
No entanto, há três que se destacam: o remdesivir, um antiviral criado para combater o ébola; a cloroquina e a hidroxicloroquina, medicamentos usados contra a malária; e a dupla ritonavir/lopinavir, usada para o VIH.
Fonte:
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/medicamentos-para-a-covid-19-um-guia-sobre-os-tres-principais-candidatos