Eutanásia aprovada na especialidade com votos contra de Chega e PCP
O texto final sobre a despenalização da morte medicamente assistida foi hoje aprovado na especialidade, com votos contra de Chega e PCP, e abstenção do PSD, depois de os sociais-democratas terem tentado um novo adiamento.
A votação do texto na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, contou com os votos a favor de PS, IL e BE.
Na comissão parlamentar, a deputada social-democrata Paula Cardoso ainda apelou aos deputados presentes para que a votação fosse adiada por uma semana devido ao facto de estar agendada para hoje à tarde uma conferência de líderes extraordinária para discutir o projeto de resolução do PSD que propõe um referendo sobre a despenalização da eutanásia, mas este apelo mereceu a oposição do PS, BE e Iniciativa Liberal.
O texto final, que tem por base os projetos de lei apresentados por PS, IL, BE e PAN, segue agora para a votação final global, que deverá ocorrer na sexta-feira, em plenário.
No debate em comissão, depois do apelo feito pelo PSD para adiar por uma semana a votação, e a oposição manifestada por PS, BE e IL, o presidente da 1.ª comissão, Fernando Negrão, afirmou que "para ocorrer um adiamento neste momento", já depois de três, "teria que haver unanimidade". Sendo "público e notório" que não havia essa unanimidade, os deputados passaram logo à votação do texto de substituição.
Após a aprovação, a deputada social-democrata Paula Cardoso justificou a abstenção com a liberdade de voto dada aos deputados do PSD na votação sobre o tema, deixando ao "critério de cada um votar conforme a sua consciência ditar".
Pelo PS, a deputada Isabel Moreira agradeceu à coordenadora do grupo de trabalho sobre a morte medicamente assistida, a socialista Maria Antónia de Almeida Santos, e aos serviços do parlamento, bem como a todos os deputados representantes dos vários grupos parlamentares, nomeadamente aos do PSD pelo seu "trabalho imaculado".
A deputada Patrícia Gilvaz, da Iniciativa Liberal, enalteceu o facto de o processo ter decorrido de "uma forma ponderada, participada", no qual foram ouvidas várias entidades.
"No nosso entender este texto final responde às dúvidas que o senhor Presidente da República tinha manifestado no anterior processo e também acolhe as recomendações feitas pelo Tribunal Constitucional", defendeu.
Os agradecimentos aos serviços e aos elementos do grupo de trabalho foram partilhados pelo líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, que defendeu que "o debate foi elevado" e que "o grupo de trabalho esteve à altura do momento histórico que lhe era exigido".
Considerando que o novo texto responde ao TC e às dúvidas apontadas por Marcelo Rebelo de Sousa, o bloquista mostrou-se satisfeito com o processo e o seu resultado: "Estamos satisfeitos com o processo, com o texto e conscientes que ele fará uma boa lei, uma lei humana, uma lei constitucional e engrossará os direitos que os nossos cidadãos têm aos seu dispor e fá-lo de uma forma sensata e ponderada", disse.
Pelo Chega, o líder parlamentar Pedro Pinto manifestou-se contra a aprovação do texto e disse esperar para ver o que fará o Presidente da República ou o TC.
Alma Rivera, do PCP, também reiterou a posição contra do PCP na matéria, sustentando que esta não é uma "posição maniqueísta" e "prende-se essencialmente com as consequências sociais da aprovação deste texto, sobretudo para aquelas que são as camadas mais fragilizadas, mais excluídas e que têm mais dificuldades, nomeadamente, no acesso à saúde e apoios sociais".
O texto estabelece que a "morte medicamente assistida não punível" ocorre "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
Desta vez, em comparação ao último decreto, o texto de substituição deixa cair a exigência de "doença fatal".
O texto final estabelece agora um prazo mínimo de dois meses desde o início do procedimento para a sua concretização, sendo também obrigatória a disponibilização de acompanhamento psicológico.
Na anterior legislatura, a despenalização, em certas condições, da morte medicamente assistida, alterando o Código Penal, reuniu maioria alargada no parlamento, mas foi alvo de dois vetos do Presidente da República: uma primeira vez após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização de Marcelo Rebelo de Sousa.
Numa segunda vez, em 26 de novembro, o Presidente rejeitou o diploma através de um veto político realçando que ao longo do novo texto eram utilizadas expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendendo que o legislador tinha de optar entre a "doença só grave", a "doença grave e incurável" e a "doença incurável e fatal".
Perguntas e respostas sobre a eutanásia
O que é a eutanásia?
A morte assistida é o ato que leva à morte de um doente por sua vontade, através do ato de um profissional de saúde (eutanásia) ou através de suicídio assistido.
A palavra eutanásia tem origem no grego – “eu”, que significa boa, e “tanathos”, que quer dizer “morte”, ou seja, “boa morte”, remetendo para o ato de tirar a vida a alguém por solicitação, de modo a acabar com o seu sofrimento. O termo, criado pelos filósofos enciclopedistas, surgiu pela primeira vez no século XVIII.
Embora com soluções legais diferentes, em vários países onde é praticada a morte assistida, o sofrimento intolerável do doente e o grau de consciência para tomar essa decisão são condições essenciais para a sua prática.
A morte assistida é crime em Portugal?
Em Portugal, a morte assistida não está tipificada como crime com esse nome, mas a sua prática pode ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.º).
As penas variam entre um a cinco anos de prisão para o homicídio privilegiado, até três anos para homicídio a pedido da vítima e de dois a oito anos para o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.
É precisamente para despenalizar quem pratica a morte medicamente assistida, em certas condições, que estão em debate os diplomas na quinta-feira.
O que é suicídio assistido?
O suicídio assistido é diferente da eutanásia, dado que é o próprio doente, tomando os fármacos letais, a por fim à sua vida, com a colaboração de um terceiro, geralmente um profissional de saúde, que o ajuda a terminar a vida.
Também está previsto nos projetos em discussão no parlamento.
O que é a distanásia?
A distanásia define-se como o adiamento, de forma artificial, da morte de um doente que se encontra em fase terminal com o recurso a tratamentos médicos considerados desproporcionados.
Também é o utilizado o termo “obstinação terapêutica” como sinónimo de distanásia.
Em que países pode ser praticada a eutanásia?
A eutanásia não é crime em quatro países europeus, Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Espanha, mas há mais países do mundo onde é possível a morte assistida ou o suicídio assistido.
Nos Estados Unidos, há cinco Estados onde está regulamentada esta prática: Oregon, desde 1997, Vermont (2013), Califórnia (2015), Washington (2008) e Montana (2009). No Canadá, também é possível a eutanásia desde 2006. Ainda no continente americano, há mais dois países onde é possível antecipar a morte: Uruguai e Colômbia.
SICN