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Autor Tópico: Há a ideia de que uma pessoa com deficiência não tem direito de ser mãe  (Lida 33 vezes)

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"Há a ideia de que uma pessoa com deficiência não tem direito de ser mãe"

Catarina Oliveira é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto. A autora da página de Instagram Espécie Rara Sobre Rodas leva-nos a refletir sobre o que precisa de mudar para que a sociedade deixe de ver a deficiência como "o pior que pode acontecer a alguém".

"Há a ideia de que uma pessoa com deficiência não tem direito de ser mãe"
© Catarina Oliveira

Catarina Carvalho Ferreira
07/11/2025 09:15 ‧ HÁ 5 DIAS POR CATARINA CARVALHO FERREIRA
FAMA

CATARINA OLIVEIRA

Catarina Oliveira é a autora da página de Instagram 'Espécie Rara Sobre Rodas'. Aos 27 anos, uma lesão na medula chamada mielite transversa deixou-a sem andar, "nem uns passinhos". Viver numa cadeira de  rodas deu-lhe uma nova perspetiva da vida e fê-la ter vontade de desmistificar a temida palavra deficiência.


 
Através das redes sociais, onde conta com mais de 94 mil seguidores, fala de deficiência "com humor e sem tabus". Há quatro meses foi mãe pela primeira vez, concretizou um sonho e, uma vez mais, mostrou que ter uma deficiência não implica uma vida trágica.

O Notícias ao Minuto conversou com Catarina Oliveira no âmbito do Seminário Incluir da Cercioeiras, que celebrou 50 anos de existência. A autora de Espécie Rara Sobre Rodas explica-nos o seu propósito nas redes sociais, leva-nos a refletir sobre quais as principais dificuldades que enfrenta quem se desloca numa cadeira de rodas em Portugal e, acima de tudo, faz-nos pensar no que precisamos de mudar para que a sociedade deixe de ver a deficiência como "o pior que pode acontecer a alguém".

Tem neste momento uma comunidade enorme nas redes sociais, na sua página de Instagram - Espécie Rara Sobre Rodas - conta já com quase 95 mil seguidores. Como começou esta aventura no digital?

Há 10 anos tornei-me uma pessoa com deficiência, tive uma inflamação na medula. Depois da recuperação, da reabilitação, quando voltei à vida, comecei a perceber que as coisas não estavam preparadas para pessoas com deficiência no dia a dia. Devido a vários episódios que fui tendo quando voltei a estudar, a sair à noite, a fazer a vida dita normal, comecei a querer partilhá-los nas redes sociais. Achava muito estranho a forma como as pessoas me tratavam de forma tão diferente só por estar numa cadeira de rodas, sendo que isto, percebo agora, acontece a todas as pessoas com deficiência.

Comecei a partilhar no meu Instagram privado e começou a ganhar volume. As pessoas começaram a identificar-se, pessoas com deficiência e, até mais, pessoas que se identificavam naquele papel de fazer uma ou outra coisa não tão agradável para com as pessoas com deficiência. Como falo com bastante humor das situações, começou a ganhar volume.

Os médicos não descobriram o que terá causado a inflamação

Falar com humor e sem tabus traz leveza a temas como a deficiência e torna-se uma forma mais fácil de chegar às pessoas?

Quando tudo começou não foi para tornar nada mais leve, foi porque achava caricatas as situações que passava. O humor faz parte da minha personalidade. Não acho que o humor retire o peso, por si só, a determinadas situações que podem ser chatas e discriminatórias, mas acho que faz com que as pessoas que fazem estas coisas que nos discriminam se sintam mais próximas. Estão-me a apontar o dedo, mas não com culpa - isso faz com que as pessoas tenham mais sentido de responsabilidade. Estou-me a ver ali, estou a ver o ridículo que foi esta atitude, esta conversa, esta postura que tive com alguém com deficiência - como se riem no caminho, acho que é mais fácil desconstruir. No início, não pensei nisso, mas acho que, inevitavelmente, o humor retira o peso da dureza da realidade.

Quem a segue sabe exatamente o que aconteceu, mas para quem a está a conhecer melhor agora, consegue explicar o que é exatamente a mielite transversa?

É uma inflamação na medula que pode acontecer por vários motivos. No meu caso, os médicos não descobriram o que terá causado a inflamação. Nos exames que fiz, nunca foi identificado nenhum vírus, bactéria ou anticorpo, mas acham que poderá ter sido algo autoimune. O meu corpo terá reagido de forma exagerada a alguma coisa. Por exemplo, temos uma bactéria que se aloja num dente e fazemos uma inflamação, no meu caso a inflamação foi na medula - e como a nossa medula é uma coisa muito frágil, a parte inflamada ficou danificada e fiquei com uma lesão completa. As repercussões foram a perda de mobilidade e de sensibilidade nos membros inferiores.

Quanto tempo levou até conseguir aceitar o que aconteceu?

A ideia que temos é muito trágica, mas foi um processo. Perdi rapidamente o andar, no espaço de uma semana. Estive um mês e 17 dias internada no Brasil, depois vim para Portugal. De todo o processo, o que mais me foi custou foi estar internada.

Sempre tive noção do que estava a acontecer, estive quatro anos em medicina, tinha algum conhecimento. Sabia o que é uma lesão medular, sabia como estava a ciência em termos de cura ou de reversão destas situações. Não houve um momento em que me caiu a ficha, foi uma coisa gradual. Houve um momento, em Portugal, depois de todos os exames e tratamentos que voltei a repetir, em que percebemos que a lesão não ia reverter e houve uma conversa do médico em que disse: Catarina, fizemos tudo o que era suposto, agora passarás para uma reabilitação, fisioterapia, porque as sequelas serão estas. Houve esse momento, mas não houve o: aí, meu Deus, e agora?

Todos nós podemos adquirir uma deficiência, não digo em tom de ameaça, é um facto

Nunca existiu revolta da sua parte?

Na altura, perguntei ao médico se poderia ser mãe. Nunca me tinha imaginado grávida numa cadeira de rodas, ele disse que não haveria esse problema. Depois foi o reaprender tudo numa cadeira de rodas, mas não tive propriamente um momento de luto ou de revolta porque fui interiorizando o que estava a acontecer. Passados 10 anos, acho que tem muito a ver com a minha personalidade, com a minha forma de lidar com as coisas, sou pragmática, e tem a ver com a minha rede de apoio, família, amigos, na altura um namorado. Tudo isso fez com que na minha vida, a única coisa que mudou foi sentar-me.

Para a Catarina, que tinha a 'bagagem' da medicina, a palavra deficiência não meteu medo, mas a verdade é que na nossa sociedade usá-la provoca ainda algum receio nas pessoas. Concorda?

Sim, falo disso nas minhas palestras. Nunca tinha parado para pensar na deficiência, mesmo nos quatro anos que estive em medicina. Falamos muito de doença, mas deficiência e doença não são sinónimos - as pessoas com deficiência podem ser saudáveis e podem também estar doentes. Tenho uma deficiência motora, mas hoje em dia trabalho com pessoas com outro tipo de deficiências, cegueira, surdez, autismo. No meu trabalho e no meu dia-a-dia percebo que a deficiência é uma coisa que não só assusta como as pessoas veem ainda de forma negativa, embora ela faça parte da diversidade humana. Todos nós podemos adquirir uma deficiência, não digo em tom de ameaça, é um facto. Há pessoas que não adquirem, há pessoas que nascem com deficiência, ela faz parte do que é ser um ser humano. Quando desconhecemos e temos referências e estereótipos do que é uma pessoa com deficiência, que geralmente vêm de modelos ou de imagens transmitidas pela comunicação social, que não são positivas, só vemos as dificuldades e não vemos a riqueza que existe na diversidade.

Pensamos na deficiência como o pior que pode acontecer a alguém, ficar numa cadeira de rodas, ficar cego, surdo… É importante falar sobre este tema com responsabilidade, mas também com a leveza da realidade. As pessoas com deficiência são pessoas. Temos de perceber as necessidades específicas de cada pessoa, mas temos de ver que estamos a falar com pessoas e de pessoas. As pessoas só têm contacto com as nossas dificuldades, não têm contacto com a forma como ultrapassamos essas dificuldades, e não têm contacto com a forma como nós todos podemos ter um papel na eliminação dessas barreiras. É muito mais importante focarmo-nos nas adaptações e nas soluções do que nas incapacidades, porque as incapacidades estão lá e não vão mudar. O que pode mudar é o ambiente, as atitudes que todos nós temos como pessoas com deficiência.

Não vale de nada ter uma escola onde toda a gente é muito acessível, se depois não consigo ir a uma visita de estudo porque não há acessibilidade

Acha que está a mudar, particularmente nas gerações mais novas, a forma como se olha para a deficiência?

Acho que sim. Tenho 10 anos de deficiência, falo com pessoas que têm 20, 30 anos e dizem-me que, mesmo fisicamente, as coisas estão a mudar. Antes era quase impossível sair de casa, hoje em dia ainda temos pessoas com liberdade completamente vedada, é um facto, não vamos romantizar. Há imensas barreiras, principalmente físicas, mas as coisas estão a mudar. Cada vez mais se fala sobre o assunto, também nas escolas. Noto que as gerações mais novas têm outro tipo de abertura para a diferença e para a diversidade. Não gosto de falar da aceitação, porque não acho que tenha de aceitar a existência de uma pessoa, tenho que respeitar.

As coisas estão a mudar porque cada vez estamos a falar mais. Agora, há questões de legislação, de fiscalização e de aplicação da lei que também têm que mudar a uma velocidade mais rápida para que possamos ter espaços públicos que sejam mais acessíveis. Não vale de nada ter uma escola onde toda a gente é muito acessível e não tem atitudes capacitistas, se depois não consigo ir a uma visita de estudo porque não há acessibilidade, se não consigo estar integrada numa aula de forma equitativa porque não tenho acessibilidade na comunicação se for surda, cega. Há coisas práticas que têm de mudar e a evolução é lenta, e a vida das pessoas com deficiência não espera para que a acessibilidade exista.

Quais são ainda as principais dificuldades no que respeita à acessibilidade para quem tem deficiência?

As acessibilidades físicas, ou seja, o acesso ao espaço público é uma grande dificuldade porque há várias camadas. São as ruas que não estão preparadas, as passadeiras sem rampa, os transportes públicos que ou são acessíveis mas depois as atitudes das pessoas que lá trabalham não são acessíveis, ou o próprio transporte não tem acessibilidade, ou o percurso até. A questão da educação, como é o percurso educacional de uma pessoa com deficiência, que tipo de barreiras vai encontrando ao progresso escolar, que depois a impedem de entrar na faculdade e de ser um profissional qualificado e entrar no mercado de trabalho. A questão da vida independente, da assistência pessoal, que ainda não é uma realidade para todos em Portugal - pessoas com deficiência terem um assistente pessoal que faça o que o corpo não pode fazer.

Existem muitas barreiras físicas ainda, existem muitas pessoas que são fisicamente impedidas de estar em sociedade, de participar na vida pública em equidade, e depois existem as barreiras institucionais, a forma como as pessoas interagem com alguém com deficiência - pressuporem quase sempre a incapacidade da pessoa em vez de verem a sua potencialidade. Precisamos de alguns anos para que as coisas vão mudando, mas também precisamos de leis e de uma aplicação eficaz da lei e fiscalização para que as pessoas possam estar em espaço público com acessibilidade.

Não vale a pena contratar uma pessoa com deficiência para uma empresa para depois estar completamente segregada

Falou na questão do mercado de trabalho. Há hoje uma maior integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho português?

A lei das cotas veio acelerar a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho e sem dúvida que as coisas têm melhorado. Há empresas que já têm muitas pessoas com deficiência incluídas. Quero ser contratada porque sou uma boa colaboradora, não porque vou preencher uma cota. Temos que trabalhar para além das cotas, não vale a pena contratar uma pessoa com deficiência para uma empresa para depois estar completamente segregada, não ter possibilidade de progredir na carreira, não ter possibilidade de ir aos encontros da empresa, não ter acessibilidade no escritório - isso é uma contratação só para preencher um número. Temos de contratar para além das cotas, mas elas são uma medida de afirmação positiva.

Temos empresas e entidades recrutadoras que discriminam, às vezes, até por desconhecimento. Este colaborador é muito bom, tem um currículo fantástico, mas é cego. O desconhecimento faz com que pareça um bicho de sete cabeças, então descartam a pessoa pela sua deficiência e estão a perder um talento muito bom - porque estão apenas a ver as adaptações que precisam de fazer. As adaptações não têm sequer o custo que as pessoas acham que têm, têm um impacto gigante na capacidade de trabalho da pessoa e são mais fáceis do que à partida se pensa. As coisas estão a mudar, temos cada vez mais pessoas com deficiência incluídas e integradas, mas não podemos só achar que a pessoa com deficiência quer um salário ao final do mês. A pessoa com deficiência quer estar verdadeiramente incluída numa equipa de trabalho, quer ter capacidade de progredir e para isso temos que mudar as atitudes dentro do mercado de trabalho.

Toda a sociedade nos diz que o problema da deficiência está em nós e isto não é verdade. A deficiência faz parte de nós

Ainda ao nível da acessibilidade, qual foi, falando do seu caso, a situação mais difícil pela qual já passou?

Já passei por várias. Não há uma situação específica, mas viajo bastante em trabalho e também em lazer e a questão de encontrar alojamentos acessíveis é um grande problema ainda. Mesmo quando estamos a falar de hotéis, nós temos legislação, mas na prática o que vemos é uma fraca aplicação. Podemos sempre reclamar, mas a minha vida não tem de ser um eterno livro de reclamações. A grande dificuldade é como vai ser o alojamento onde vou estar? Como é que vai ser a casa de banho? Tomar banho, as pessoas não têm nem noção, mas é uma grande questão. Todos os sítios onde vou, tenho que ver como é a casa de banho, se está adaptada. Para mim, enquanto utilizadora de cadeira de rodas, porque outras pessoas, com outras deficiências, terão outras questões, a questão das casas de banho e da acessibilidade física é ainda o meu grande obstáculo. São situações constantes de ter que pensar 552 vezes onde é que vou fazer uma coisa tão simples como ir à casa de banho.

Um dos maiores medos dos pais de crianças com deficiências é não ter ferramentas para conseguir ajudar os filhos a lidar com a forma como vão ser olhados na sociedade pelas suas diferenças. Já era adulta quando adquiriu a deficiência, os seus pais também sentiram esse medo?

É uma excelente pergunta. Os meus pais não tiveram tanto esse trabalho. Eles foram navegando no que ia fazendo, foram atrás do que eu sentia. Mas falo frequentemente com a mãe de uma criança com deficiência, que está a entrar na adolescência, e percebo que é um desafio.

Como é que damos ferramentas aos nossos filhos para lidarem com a discriminação e com o preconceito do outro? Por muito que queiramos falar ou fazer por eles, claro que em muitas situações temos que ser nós a tomar a rédeas, o melhor que podemos fazer é capacitá-los a nível mental, trabalhar a autoestima, a autoconfiança e fazê-los perceber que são tão completos como outra criança. A sua diferença não lhes dá super-poderes, mas faz parte da diversidade humana. Isto consegue-se com conversa, com educação, mostrando-lhes outras pessoas que têm as suas deficiências, role models. Dar-lhes ferramentas de saúde mental e profissionais para ajudar a lidar com a realidade da escola, dos comentários. A criança tem de perceber que o problema não está nela, isto é mesmo importante – toda a sociedade nos diz que o problema da deficiência está em nós e isto não é verdade. A deficiência faz parte de nós, é uma característica. Como tenho cabelo castanho, tenho uma deficiência motora. Quem está mal é a sociedade, quem está mal são as barreiras físicas, quem está mal são as pessoas que me discriminam. Tenho de ter uma saúde mental robusta para perceber isto e isto consegue-se com ajuda de especialistas, com educação, com livros, com o conhecimento de outras pessoas que passam pelo mesmo

As deficiências legitimam uma curiosidade no outro que é completamente descontrolada
Qual é a pergunta que não devemos, de todo, fazer a alguém com deficiência?

A maior parte das pessoas com deficiência que conheço não tem qualquer tipo de problema de falar sobre a sua deficiência, haverá pessoas que têm, mas nós não devemos perguntar a alguém com deficiência, que não conhecemos de lado nenhum, que acabámos de encontrar no elevador, no meio da rua, não devemos fazer perguntas sobre a sua intimidade. Porque é que ficaste cego? Porque é que ficaste surdo? Porque é que estás nessa cadeira de rodas? Isto é uma coisa muito comum.

https://www.noticiasaominuto.com/vozes-ao-minuto/2880426/ha-a-ideia-de-que-uma-pessoa-com-deficiencia-nao-tem-direito-de-ser-mae
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