O Desporto para pessoas com deficiência
Na parte inicial deste capítulo, estudámos o tema da Ansiedade no contexto desportivo. Seguidamente, iremos abordar a área do desporto para pessoas com deficiência, visto o nosso estudo ser realizado com praticantes de Basquetebol em cadeira de rodas.
Iniciamos com o tema "deficiência e sociedade", onde fazemos uma abordagem ao estatuto social da pessoa com deficiência e apresentamos as definições que envolvem o próprio conceito de deficiência/deficiente. Seguidamente, analisamos a evolução histórico/social do desporto para pessoas com deficiência, definimos "desporto para deficientes" e, porque o desporto "é um meio privilegiado de educação, readaptação, valorização do lazer e integração social" (Silva, 1991, p. 87), apresentamos as principais vantagens de uma prática desportiva regular. Ainda neste contexto, procedemos a uma caracterização do Basquetebol em cadeira de rodas, numa tentativa de compreender e conhecer melhor como se pratica, enquanto actividade física adaptada.
1. O indivíduo com deficiência na sociedade
A evolução da atitude social em relação às pessoas com deficiência tem sido morosa e carregada de preconceitos. Sobre este assunto, os conhecimentos sociológicos permitem-nos afirmar que os comportamentos e atitudes da sociedade face à problemática da deficiência apresentam variações ao longo do tempo. Por exemplo, desde longa data que os indivíduos com deficiência são marcados pelo estigma da "diferença", ou seja, ao serem "diferentes" sob o ponto de vista morfológico ou funcional (evidenciando o que têm a mais ou a menos) foram muitas das vezes alvo de acções desumanas como aquelas verificadas nas antigas sociedades de Roma, Grécia ou Esparta, onde as crianças menos sadias eram aniquiladas logo à nascença.
Felizmente, esta forma de pensar o homem e a sociedade foi alvo de mutações, pelo que, a acompanhar a evolução sentida nos restantes domínios sociais, surge também o novo estatuto social da pessoa com deficiência. A superstição cede lugar à compaixão e tudo o que anteriormente não passava apenas de cuidados elementares para garantir a sobrevivência deste grupo específico da população, transformou-se, no século XX, num grande movimento de apoio que originou um conjunto de normas e políticas educativas e reabilitativas a favor da integração destes indivíduos na sociedade.
Acerca destas normas e políticas a favor dos cidadãos com deficiência, Silva (1991, p.28) aponta a "Declaração Universal dos Direitos do Homem", em 1948, como o pilar de todo o sistema actual, quando faz referência ao "direito de todas as pessoas, sem qualquer distinção, ao casamento, à propriedade, a igual acesso aos serviços públicos, à segurança social e à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais". A obrigação de reconhecer, respeitar e proteger a diversidade humana foi, desta forma, globalmente aceite como um valor humano fundamental, dando origem mais tarde, ao aparecimento de outros tratados de que é exemplo a "Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência", em 1975.
Como reflexo da implementação destes postulados internacionais verificamos a existência de outras legislações como a "Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência" (Lei nº9/89 de 2 Maio), o Decreto Lei nº319/91 de 23 de Agosto, as Normas sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência (Resolução 48/96 de 4 Março de 1994) ou a Declaração de Salamanca (1994).
Para Hendriks (1995) o conceito de respeito pelas "diferenças" humanas está patente no princípio da igualdade. Contudo, nenhum dos tratados internacionais ou leis nacionais inclui uma definição clara do termo, o que talvez explique os inúmeros significados atribuídos a este conceito. Parece-nos, no entanto, haver uma grande adesão sobre o ponto de vista de que o princípio da igualdade procura promover a uniformidade, aplicando um tratamento idêntico a todas as pessoas e o seu não cumprimento constitui a chamada discriminação.
Assim, segundo a recomendação das Nações Unidas, "o termo "igualdade de oportunidades" significa o processo pelo qual os diversos sistemas da sociedade e o meio envolvente, tais como os serviços, actividades, informação e documentação, se tornam mais acessíveis a todos e, em especial, às pessoas com deficiência" (SNR, 1995, p.13).
Porém, e tendo como referência a análise histórica de alguns grupos a favor de direitos estabelecidos (e.g. os grupos pelos direitos da mulher ou da igualdade racial), não poderemos cair no erro de julgar que a legislação e as políticas que promovam igual tratamento consigam rectificar as desigualdades existentes. Neste perspectiva, Hendriks (1995) adverte que a verdadeira igualdade nunca será alcançada através do desenvolvimento de um tratamento idêntico para todos, esperando que as pessoas "diferentes" se adaptem unilateralmente às normas e padrões da auto-proclamada "corrente dominante".
No seguimento da opinião deste autor, surge o movimento para a igualdade de direitos que reclama igualmente o respeito pela diversidade do indivíduo e do grupo, exigindo igual tratamento nas situações em que as pessoas se encontram em condição idêntica e tratamento diferente nas situações em que seja necessário satisfazer necessidades diferentes.
Parece-nos então evidente que a aplicação do princípio da igualdade de direitos implique que as necessidades de todos e de cada um tenham igual importância, tendo sempre de as ter em consideração aquando do planeamento das sociedades, para que todos os recursos existentes sejam utilizados de forma a garantir a cada indivíduo uma igual oportunidade de participação na sociedade.
As pessoas com deficiência são membros da sociedade por direito, o que lhes confere a equidade de permanecerem nas suas comunidades de origem. Para tal, devem receber o apoio necessário no âmbito das estruturas regulares de ensino, de saúde, de emprego e dos serviços sociais, imputando aos Estados a obrigação de criar bases legais para a adopção de medidas destinadas a atingir a plena participação de igualdade.
Quando estes objectivos são atingidos e as pessoas com deficiência tiram proveito dessa igualdade de direitos, elas passam a ter iguais obrigações, assumindo, para tal, as suas responsabilidades como membros activos de uma sociedade. Verifica-se, neste momento, a verdadeira igualdade que, segundo Hendriks (1995, p.19), "implica que ambas as partes, pessoa com e sem deficiência, envidem esforços para colmatar a distância que as mantém separadas".
Sendo o desporto uma forma privilegiada de comunicação de diferentes países, diferentes sociedades, diferentes culturas e até mesmo de diferentes estratos sociais, concordamos rapidamente que o seu desenvolvimento constitui um elemento chave para alcançar a igualdade de oportunidades. A tomada de consciência deste facto induziu à criação e aprovação, por parte dos Estados, de políticas legislativas e orientadoras à plena participação dos indivíduos com deficiência no âmbito desportivo.
Em 1986, durante a realização da 5ª Conferência de Dublin, os ministros europeus definiram uma resolução intitulada "Carta europeia do desporto para todos: os indivíduos deficientes". Essa carta, ao estipular que todos os indivíduos têm direito à prática desportiva, poderá estar na base do aparecimento, a nível nacional, de uma legislação desportiva que inclua na sua prática as pessoas com deficiência, de como é exemplo a Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei nº1/90 de 13 Janeiro).
Mas para entendermos melhor este fenómeno desportivo, específico de uma população com necessidades especiais, é necessário traçarmos primeiro o quadro conceptual do significado de deficiência/deficiente.