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Autor Tópico: Uma rosa sem espinhos não seria tão forte  (Lida 154 vezes)

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Online migel

Uma rosa sem espinhos não seria tão forte
« em: 19/04/2024, 15:27 »
 
Uma rosa sem espinhos não seria tão forte



É de Fafe mas vive em Guimarães há quase sete décadas. Aos cinco anos contraiu poliomielite, uma doença viral que afeta o sistema nervoso central e que veio a transformar a forma como teve que encarar a vida. Faz parte da delegação de Braga da Associação Portuguesa de Pessoas com Deficiência e viu nascer e crescer o Fórum Municipal das Pessoas com Deficiência de Guimarães. São 20 anos de uma história comum, mas é a de Rosa Mota Guimarães que agora se vai contar.

Nasceu em Freitas, uma aldeia no concelho de Fafe onde não havia água canalizada nem eletricidade e onde as pessoas viviam apenas da agricultura. “Quem tinha terra própria cultivava, quem não tinha, tentava cultivar na terra de outras pessoas que não queriam cultivar”, começa por descrever Rosa Guimarães.

O pai ainda viu o mundo num punhado de anos enquanto emigrante e a mãe, 14 anos mais nova, também via que o mundo que a aldeia fafense apresentava não dava futuro a uma filha com poliomielite e as respetivas sequelas físicas na marcha.

“A casa onde eu vivia era uma casa, de facto, muito antiga, que também não tinha água nem eletricidade e onde eu os meus irmãos estudávamos à luz da candeia de petróleo e a água era trazida em cântaros de barro à cabeça ou ao ombro”. Rosa Guimarães

“As pessoas tinham uma vida muito difícil, com muita pobreza, os miúdos andavam descalços no inverno, iam para a escola descalços nos dias de geada e os adultos, a maior parte das vezes, também andavam descalços”, acrescenta. Restavam a estas gentes os socos de madeira, cujo barulho, se lembra, de ouvir ao compasso dos sinos da igreja que ainda lhe acodem para musicar a memória desses tempos.

Foi aos cinco anos que Rosa Guimarães, a única rapariga de cinco filhos, teve paralisia infantil e, por causa desta doença esteve dois anos a viver no Porto, longe dos pais, para conseguir realizar os tratamentos.

Tudo se pagava, não havia Sistema Nacional de Saúde antes do 25 de Abril, estando os cuidados de saúde a cargo das famílias. Não havia hospitais e médicos espalhados pelo país ou o respetivo acesso assegurado a todos os portugueses. E foi a muito custo que os pais de Rosa Guimarães lhe conseguiram garantir as terapias necessárias.

“Vinha da terra o que comíamos, os animais eram alimentados com produtos da terra. E os meus pais, embora não tivessem grandes meios económicos, fizeram tudo o que era possível para me levar a um especialista no Porto que tratava estas doenças e o médico aconselhou um tratamento que só podia ser feito lá no consultório dele”, recorda a professora.

Foram anos difíceis que a remetem para a bonita vista da janela do rio Douro, que ajudava a aliviar as saudades da família distante e a esquecer o cheiro dos colchões ao ar, nas soleiras da porta das muitas pessoas que faleciam em casa. “O meu ‘desporto’ favorito era sentar-me numa espécie de marquise e ver os barcos, o movimento na Alfândega e sentar-me na porta da casa onde vivia a apreciar a vida das pessoas, que também viviam muito mal. Eu notava que morria muita gente, porque punham os colchões à porta e desinfetavam com aquelas coisas que cheiravam pela rua toda”, descreve.

Depois da primeira fase de tratamentos, aos sete anos, já com alguma autonomia, regressou a casa e foi para a escola que ficava quase a três quilómetros, uma distância que fazia a pé. “A minha mãe ajudava-me na parte mais difícil do caminho, porque era uma parte cheia de água com muita lama, e depois eu ia sozinha. Às vezes o meu irmão mais velho também me ajudava, porque ele andava na mesma escola”, revela. Outras vezes, negociava com as colegas o apoio nos trabalhos de casa em troca de companhia no regresso. “Elas diziam: ‘Temos que ir rápido para fazer os deveres’ e eu dizia: ‘Mas então vamos devagar e eu ajudo-vos a fazer os deveres’. E assim tinha companhia quase até casa”, esclarece.

No recreio todas as crianças misturadas juntavam-se para brincar e, nos dias de muito frio, se aquecerem na fogueira alimentada a restos de lenha que havia por lá. “Fazia-se uma fogueira muito grande, porque os miúdos vinham descalços pela geada e aquecíamo-nos ali antes de entrarmos na escola”, relata.

Foi de lousa e pena em punho que chegou à 4ª classe. Das provas recorda-se dos borrões nas folhas de linhas pela falta de jeito a utilizar o tinteiro.  “Eu achava que não podia fazer nenhuma tarefa da agricultura e os meus pais também, então pensaram em dar-me uma profissão”, admite. A mãe de Rosa Guimarães gostava muito que ela fosse costureira, mas ela queria ser professora e então os pais fizeram tudo o que podiam para realizar esse desejo. “Eu e uma prima minha fomos para o Liceu mas tivemos que arranjar uma casa para residir em Guimarães”, lembra.

Chegou à Cidade Berço com 11 anos. Visitava os pais nas férias de Natal, da Páscoa e de verão porque os transportes públicos para a aldeia eram escassos. “No Liceu, eu senti que era diferente das colegas da cidade, não nos vestíamos como elas, vestíamos uma roupa mais pobre não vestíamos tanta roupa. Recordo-me dos meus pais fazerem-me uma roupa para vir para aqui, uma roupa tipo colégio, feita numa costureira que havia na aldeia muito boa, mas aquilo era apenas uma roupa”.

Na casa onde estava hospedada havia gente muito interessante, que lia muito, e foi no seio desta família que aprendeu a ler e a escrever. Completou o 5.º ano e quis logo fazer o curso de magistério, porque queria “ser independente, economicamente, o mais depressa possível “e deixar de estar “a sacrificar” os pais que gastavam muito dinheiro com ela. Em Braga teve que ir a um Delegado de Saúde por causa dos problemas de mobilidade física. “Eu fiquei muito admirada. Por acaso, não fui sozinha, fui com a senhora da casa onde estava hospedada e o senhor mandou-me despir de cima a baixo para ver se eu tinha capacidade para ensinar. Foi uma coisa que me custou bastante, mas comecei a perceber que as coisas não eram fáceis”, confessa.

No Magistério encontrou um ambiente austero e fechado mas bastante camaradagem por parte dos colegas para ultrapassar alguns momentos difíceis por que passou, nomeadamente, o falecimento de um irmão. Depois de terminar o curso, decidiu concorrer para Guimarães e foi colocada numa escola que considerava “praticamente igual” à escola onde estudou. “Os alunos também descalços, com fome, não havia cantina e eles iam a casa, ou então levavam um bocado de pão e ficavam assim o dia todo”, conta.

“Saí do Magistério, no ano seguinte fui logo posta numa escola isolada, sem ninguém, com cerca de 40 alunos da 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª classes e eu tive de me desembaraçar. Não havia ninguém, não havia empregada, tínhamos que ser nós a limpar a sala, fazíamos as limpezas necessárias e no primeiro dia de aulas tínhamos de matricular os miúdos”, enumera.

Valeu-lhe uma vizinha da escola que lhe ensinou os procedimentos e recomendou-a a ser dura com os miúdos. Rosa Guimarães, diz que a ajuda desta senhora foi preciosa, mas, enquanto partidária do Movimento Escola Moderna, não acatou o último conselho. “Depois no ano seguinte mudei de escola fui para a escola onde essa senhora trabalhava e aí como havia muitos alunos começou a haver uma turma de manhã e outra de tarde e eu podia almoçar antes de vir, já não tinha de passar fome”, refere, entre risos.

O percurso como professora foi sendo feito a par e passo do percurso social e cultural que foi, cada vez mais, ficando misturado com o desejo político de um regime democrático, assente na liberdade. Privou com Santos Simões, frequentava o Teatro de Ensaio Raúl Brandão (TERB) do Círculo de Arte e Recreio e foi aí que conheceu o marido, Joaquim Guimarães, com quem teve duas filhas.

Além da parentalidade e do casamento partilhava com ele os ideais de um país livre e um grupo de amigos que lhe lembra o 25 de abril enquanto marco importante na vida social e política de todos os portugueses. Estava grávida mas celebrou este dia desde o momento em que o marido ouviu na rádio o anúncio da revolução. Preocupava-a a fome das crianças e uma das ações individuais imediatas com a mudança de regime foi começar a dar, além do pacote de leite, ovos cozidos aos alunos e alunas para lhes espantar a fome. Da reunião realizada com os pais poucos dias depois deste dia de 1974 saiu essa decisão, tão importante quanto simbólica da vontade e da força do povo em liberdade.

Enviuvou cedo. A esclerose lateral amiotrófica (ELA) que o marido tinha aguçou-lhe a vontade de lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, causa que defendeu desde os anos 80 ao participar na fundação da delegação de Braga da Associação Portuguesa de Pessoas com Deficiência (APD). Nesta altura fez também parte da Junta de Freguesia de S. Paio, em Guimarães.

Foi em 2003 que passou a representar a delegação distrital de Braga da APD no Fórum Municipal das Pessoas com Deficiência de Guimarães, aquando da constituição deste grupo informal de debate, de consulta e de informação, criado no âmbito do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência.




“Fazíamos sempre uma prova desportiva de atletismo aqui em Guimarães no centro da cidade, uma corrida em cadeira de rodas”, lembra Rosa Guimarães. O Fórum surgiu para agregar as pessoas e entidades “que tinham preocupação e intervenção na área da deficiência”. “Não queríamos institucionalizar muito, mas queríamos uma relação mais estreita com a autarquia para responsabilizá-la mais”, diz a representante da APD.

Aos mais distraídos que a possam conhecer, na serenidade e discrição que manifesta, escapam-lhes o espírito livre e avesso às injustiças que, depressa, se percebe com dois dedos de conversa. A sensibilidade é outra característica de Rosa Guimarães, uma mulher à frente do seu tempo, um tempo difícil para todas as pessoas, mas ainda mais difícil para todas as mulheres.




Fonte: https://forumdeficiencia.guimaraes.pt/?p=2888
« Última modificação: 19/04/2024, 15:48 por migel »
 

 



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