Surf Adaptado: Venham as ondas grandes para Marta Paço!
MAIS DESPORTO15.11.202320:21 • Miguel Morgado
Marta Paço, invisual de nascença, conquistou, aos 18 anos, o terceiro título mundial consecutivo. Próximo projeto: surfar ondas grandes. Na Nazaré…
Aos 18 anos apenas, Marta Paço sagrou-se tricampeã mundial de surf adaptado, na classe VI1, para atletas com deficiência visual, no pretérito fim de semana, em Huntington Beach, Califórnia, Estados Unidos. São três medalhas de ouro consecutivas nos campeonatos de para surfing da Associação Internacional de Surf (ISA). Em 2021 e 2022, em Prismo Beach, Califórnia e agora na famosa praia do pontão de madeira, palco de competições da Liga Mundial de Surf (WSL).
A atleta do Surf Clube de Viana chegou ao aeroporto Humberto Delgado, Lisboa, num voo proveniente de Newark, Nova Iorque, integrada na comitiva portuguesa chefiada por João Aranha, presidente da Federação Portuguesa de Surf, Camilo Abdula (Stand 1), Tomás Freitas (Kneel) e Afonso Faria (Prone 2). Marta Paço parou no átrio das Chegadas, pousou no chão a mochila que transportava às costas, agachou-se e as suas mãos vasculhou no interior a medalha de ouro. Mostrou-a, com orgulho, para a fotografia, antes de aí permanecer alguns minutos à conversa com A BOLA.
O palmarés, rico, está circunscrito a um histórico de seis anos, desde a estreia no surf adaptado e o arranque ao lado do treinador e selecionador nacional, Tiago Prieto, com quem se sagrou também bicampeã europeia.
Quantos mais títulos conquistará, ou melhor, quando é que cessará esta fome de conquistas, foi a pergunta de boas-vindas à qual respondeu sem hesitar. «Espero que daqui a muitos anos, tenho 18 anos e bastante para dar e ganhar», disse.
Os troféus conquistados rapidamente atiram-na para comparações com outros campeões mundiais de surf. Afasta a ideia de poder vir a ser o Kelly Slater do surf adaptado. «Só quero ser a Marta Paço», diz, humildemente a jovem natural de Viana do Castelo. «São mundos muito diferentes e os objetivos são também bastantes diferentes», assinala.
Traça o rumo a seguir. «Não passa só por conseguir medalhas e ganhar campeonatos do mundo, é também fazer crescer a modalidade e contribuir para que o surf adaptado seja cada vez mais técnico e evoluído», sublinha agarrada à bengala que usa para ultrapassar a deficiência visual com que nasceu.
Orgulhosa da medalha colocada ao peito, a motivação que arranja para o sucesso repentino e repetitivo passa por «parar de deixar de colocar objetivos para mim em termos de título, deixa de ser só ganhar o europeu ou o campeonato do mundo e passa a ser conseguir fazer mais ondas, mais manobras. Passam a ser objetivos mais pessoais, uma batalha pessoal e não só com os meus adversários», estabelece.
O caminho faz-se caminhando, e, no caso de Marta Paço, em dupla, ao lado de Tiago Prieto. «A construção da química com o treinador é a base do tudo o que temos feito até agora. Se não se tivesse esta relação muito provavelmente não estaria hoje a celebrar um título mundial e não tinha ganho três títulos mundiais», reconhece.
«Além de treinador, o Tiago (Prieto) é uma base de suporte muito grande de motivação, uma pessoa que me conhece muito bem e sabe o que necessito a cada momento, não só em termos desportivos, mas também a parte pessoal, especialmente», confessa. «Conhece-me como atleta e pessoa, isso ajuda-me imenso e é transferível para os momentos de competição», reforça. «Foi o Tiago que me trouxe para a modalidade, tem treinado comigo até hoje e espero que continue a treinar».
Mundiais e europeus à parte, o sonho paralímpico está bem vivo na atleta vianense de surf adaptado. «É um grande objetivo fazer com que o para surfing entre nos Jogos Paralímpicos», aponta.
«Creio ser concretizável. Tem crescido imenso, tem havido cada vez mais eventos por todo o mundo, estamos mais organizados e temos imensos praticantes. Acho que tem tudo para nos próximos anos ser integrado como modalidade paralímpica», antecipa.
Para o fim, apresenta o desafio que pode vir a ser o senhor que se segue. «As ondas grandes não é um desafio muito grande», brinca com as palavras ao mesmo tempo que o considera estar num patamar «alcançável», constata.
«Tenho pensado nisso e quem sabe, em breve, não faça a minha primeira experiência». O local para a estreia não poderia ser outro. «Acho que começaria pela Nazaré, diria que sim, seria ali», sorri ao encerrar a curta conversa após a travessia atlântica de mais de seis horas.
«Relação? A Marta confia-me a vida»
«As ondas grandes estão na nossa mente. É um projeto alcançável, temos andado a falar e está em cima de mesa. Vamos trabalhar e temos essa esperança», anuncia Tiago Prieto, treinador de Marta Paço, que entra na conversa com A BOLA pelo fim… «É elevar a modalidade ao seu extremo quando estamos a falar de surfistas e pessoas com estas caraterísticas».
«É preciso ponderar muito bem e montar bem o projeto, os riscos são elevados, mas está ao nosso alcance, acreditamos que sim», reforça o também selecionador nacional de surf adaptado.
«Não diria as ondas gigantes da Nazaré, mas sim ondas com tamanho significativo», sem detalhar a medição máxima. «O tamanho depende sempre da predisposição de cada surfista, o tamanho logo se vê na altura», ri.
«Temos esse projeto, temos conversas faladas com atletas de renome internacional, já foi lançado o desafio e estamos a amadurecer a ideia», antecipa. Quando? «Acho que no próximo ano poderá nascer uma primeira experiência, quem sabe».
Tiago Prieto fala com orgulho da sua pupila. «É uma atleta muito fácil de trabalhar, compreende tudo o que lhe é pedido e corresponde a tudo o que se lhe pede, colabora e confia acima de tudo», começa por dizer. «A chave do sucesso é a confiança que deposita em mim, treinador. A relação foi-se construindo como treinador-atleta, aspetos mais técnicos, mas também por depositar a própria vida nas minhas mãos. Requer uma confiança muito grande e vai aumentar se avançarmos para as ondas grandes», antevê.
ABola