A invisibilidade da mulher com deficiência em posições de liderança no mundo corporativoDaniela Sagaz conta para a EXAME Plural como enfrentou os estereótipos e o capacitismo, obstáculos adicionais para o desenvolvimento das mulheres com deficiência na carreira
Por Daniela Sagaz
Estudos recentes mostram que a representatividade de mulheres em posições liderança aumentou. De acordo com o Woman in Business esse número subiu para 87% no mundo, e para 39% no Brasil. Esse expressivo avanço posiciona o Brasil no Top10 de países com mais mulheres na Liderança, saltando da oitava para a terceira posição no ranking global elaborado pela pesquisa da Grant Thornton. Entretanto, quando direcionamos a lente para mulheres com deficiência, este é ainda, um cenário pouquíssimo ou nada explorado.
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, do IBGE, de 2022, 8,4% da população brasileira possui alguma deficiência, totalizando 17,2 milhões de pessoas. Em relação ao gênero, o perfil das pessoas com deficiência é majoritariamente feminino. Mas não há dados específicos que mostre qual é o percentual de mulheres com deficiência em posições de liderança, aqui é onde começamos a entender o contexto do quão invisibilizadas somos.
As mulheres com deficiência enfrentam uma série de obstáculos adicionais, incluindo preconceitos (capacitismo) e estereótipos negativos. Durante a minha trajetória no mundo corporativo, passei por inúmeras situações de capacitismo, que vão desde falas como: “você está aqui para cumprir a cota legal de Pessoas com deficiência” até devolutivas de processos de recrutamento e seleção, antes mesmo da minha inclusão no mercado de trabalho. Aqui, quero ilustrar a situação que mais me marcou:
O ano era 2009, eu estava participando de um processo seletivo de estágio, e fui chamada como uma das finalistas. Minha alegria era tremenda, já me imaginava nesta empresa. Quando cheguei no local, me chamaram para uma sala e ali estava esperando para receber o tão esperado sim. O recrutador neste momento inicia a devolutiva; “Daniela, você passou por um processo incrível, mostrou fortes habilidades e competências que estão 100% conectadas com a cultura desta empresa. Mas, não vamos te contratar única e exclusivamente pela falta de acessibilidade para o seu tipo de deficiência” - disse ele. Uma pausa para a minha frustração!
Lembro até hoje de sair desta entrevista sem conseguir falar, eu tentei processar durante dias esta devolutiva, e por um longo tempo acreditei verdadeiramente que, a minha deficiência seria uma barreira para meu ingresso no mundo corporativo. Bom, essa história tem um final feliz: quatro meses depois fui chamada para iniciar meu estágio em uma multinacional que me recebeu, acolheu e desenvolveu durante os próximos 12 anos da minha carreira.
Sabemos que existem ainda, estigmas associados à deficiência que, vão muito além das barreiras arquitetônicas e digitais no ambiente de trabalho. Muitas vezes, somos subestimadas em nossas habilidades e capacidades, as organizações ainda possuem um foco exclusivo no cumprimento da Cota Legal, realizam comunicações sem qualquer acessibilidade, oferecem meios de transportes sem a mínima acessibilidade. Todos estes exemplos podem levar à exclusão e à falta de oportunidades de crescimento profissional.
"Para tanto, é importante destacar que a inclusão de mulheres com deficiência em posições de liderança não deve ser apenas uma questão de cumprimento de quotas, mas sim um compromisso genuíno com a promoção da igualdade e da diversidade"
É necessário criar oportunidades reais e oferecer suporte adequado para que mulheres assim como eu, possam desenvolver todo o seu potencial e alcançar cargos de liderança. Aqui quero trazer algumas das atitudes e comportamentos de líderes que fizeram a diferença em minha trajetória profissional:
Estabelecendo Relação: Lembro com muito carinho de uma gestora, que ao me receber em seu time, me perguntou qual era a melhor forma de me ajudar. Neste mesmo momento me senti super a vontade para falar sobre a minha deficiência física e sinalizar quais eram as minhas necessidades de adaptação no ambiente de trabalho.
Dando feedback: Tive experiências muito positivas quanto a feedbacks, e independentemente de ser ou não ser uma pessoa com deficiência essas conversas devem ter uma preparação trazendo, evidências e contexto, sinalizando as fortalezas e oportunidades.
Protagonismo: Em uma das minhas primeiras conversas de carreira, a minha liderança falou sobre protagonismo. E de fato, essa conversa mudou a minha percepção sobre carreira, pois entendi que ninguém deve ser dono da minha carreira a não ser eu. Sinalizar as suas ambições, buscar feedbacks de onde você pode melhorar, com certeza me fizeram chegar aqui.
Olhar para as minhas competências, e não a minha deficiência: Certa vez passei em um processo para ocupar uma posição em outro país. Em toda a conversa o foco foi sobre as minhas competências e habilidades para assumir a nova posição, em nenhum momento a minha deficiência foi impeditiva para os próximos passos.
Meu maior desejo como uma mulher, líder, com deficiência é que, em um curto espaço de tempo, possamos ver (também em dados estatísticos) o crescimento de mulheres em posições de destaque nas organizações, ultrapassando toda e qualquer barreira para escrever novas histórias com novas protagonistas.
*Daniela Sagaz é Líder de Diversidade Equidade e Inclusão na Mondelez, palestrante e mentora.
A EXAME Plural é uma plataforma que reforça a cobertura de diversidade, com olhar mais profundo para mulheres. Neste mês de março, que marca mundialmente a luta por direitos femininos, mais de vinte lideranças femininas no ambiente corporativo, no empreendedorismo e na filantropia aceitaram compartilhar em suas vozes, histórias, visões, questionamentos, respostas, desafios e oportunidades percebidas ao longo de suas próprias jornadas.
Fonte: EXAME Plural